Ano: 1974 e 1975
No post anterior da seção Nostalgia, eu falei sobre um dos maiores intérpretes de seresta da velha guarda da MPB, o polêmico e eterno boêmio Nelson Gonçalves. No post de hoje vamos entrar no mundo do samba paulistano caracterizado por um dos maiores compositores com de João Rubinato, mas conhecido como Adoniran Barbosa.
Para esse fim, coloquei algumas partes de uma tese de doutorado de Dmitri Cerboncini Fernandes: "Adoniran Barbosa e as Metamorfoses do Samba Paulista: Uma Interpretação". Achei interessante a maneira como o autor tratou a inserção da personalidade do samba de Adoniran em meio aos bambas do samba carioca, além de abordar os percalços da vida e carreira do mestre, ressaltando o lançamento dos dois LP´s gravados pela Odeon em 1973 e 1974, que adquiri recentemente.
Adoniran Barbosa, nome artístico de João Rubinato (Valinhos, 6 de agosto de 1910 — São Paulo, 23 de novembro de 1982), foi um compositor, cantor, humorista e ator brasileiro.
João Rubinato era filho de Francesco (Fernando) Rubinato e Emma Ricchini, imigrantes italianos da localidade de Cavárzere, província de Veneza. Seus avós paternos eram Angelo Rubinato e Anna Manfrinato, e os maternos, Francesco Ricchini e Antonia Freddo. Seus pais se casaram em Cavàrzere em 23 de maio de 1895, poucos meses antes de embarcarem para o Brasil em busca de uma vida melhor2 . Seus pais desembarcaram em Santos em 15 de setembro de 1895, passaram pela Hospedaria dos Imigrantes, e foram trabalhar nas lavouras do município de Tietê. Sua mãe morreu em 1939 e seu pai em 1943.
Adoniran abandonou os estudos ainda no primário para trabalhar. Foi tecelão, balconista, pintor de paredes e até garçom. No começo da década de 30, passou a frequentar os programas de calouros da rádio Cruzeiro do Sul de São Paulo.
Em 1933, depois de ser desclassificado inúmeras vezes devido à sua voz fanha, Adoniran conquistou o primeiro lugar no programa de Jorge Amaral cantando "Filosofia" de Noel Rosa. Em 1935, compôs, em parceria com o maestro e compositor J. Aimberê, sua primeira música "Dona Boa", eleita a melhor marcha do Carnaval de São Paulo naquele ano. Na rádio Cruzeiro do Sul ficou até 1940, transferindo-se, em 1941, para a rádio Record, a convite de Otávio Gabus Mendes. Ali começou sua carreira de ator participando de uma série de radioteatro intitulada "Serões Domingueiros".
Essa foi a oportunidade para Adoniran começar a criar sua galeria de personagens, sempre cômicos, como o malandro Zé Cunversa ou Jean Rubinet, um galã de cinema francês. O linguajar popular de seus personagens encontrava par em suas composições. A maneira de compor sem se preocupar com a grafia correta tornou-se sua maior característica e lhe rendeu críticas de gente como o poeta e compositor Vinícius de Moraes. Adoniran não deu importância às declarações de Vinícius, tanto que musicou uma poesia do escritor carioca transformando-a na valsa "Bom Dia, Tristeza".
Às críticas que recebia Adoniran rebatia: "só faço samba pra povo. Por isso faço letras com erros de português, porquê é assim que o povo fala. Além disso, acho que o samba, assim, fica mais bonito de se cantar."
Na Record, Adoniran conheceu o produtor Osvaldo Moles, responsável pela criação e pelo texto dos principais tipos interpretados por ele. Os dois trabalharam juntos durante 26 anos. No rádio, um dos maiores sucessos dessa parceria foi o programa "Histórias das Malocas", onde Adoniran representava o personagem Charutinho. O programa ficou no ar pela rádio Record até 1965, chegando a ter uma versão para a televisão. Os dois também dividiram a criação de vários sambas.
Dessa união nasceram, entre outros clássicos, "Tiro ao Álvaro" e "Pafúncia". Em 1945, Adoniran começou a atuar no cinema. Sua primeira participação foi no filme "Pif-Paf", seguido de "Caídos do Céu", em 1946, ambos dirigidos por Ademar Gonzaga. Em 1953, atuou em "O Cangaceiro", de Lima Barreto.
O impulso na carreira de compositor veio em 1951, quando o conjunto Demônios da Garoa saiu premiado do Carnaval paulista com o samba "Malvina", de sua autoria. No ano seguinte, eles repetiram o feito, agora, com a criação de Adoniran Barbosa e Osvaldo Moles, "Joga a Chave". Começava ai mais uma parceria de anos na vida do compositor.
As pequenas crônicas da vida paulistana criadas por Adoniran com sotaque peculiar, resultado da fusão das várias raças que escolheram a capital paulista como morada, tornaram-se conhecidas em todo Brasil na interpretação dos Demônios da Garoa. "Saudosa Maloca", que o próprio autor havia gravado sem sucesso em 1951, foi registrada por eles em 1955 e garavada por Elis Regina nos anos 70. Do mesmo ano é a gravação de "O Samba do Arnesto". Mas foi "Trem das Onze", de 1964, seu maior sucesso. Em 1965 a composição foi premiada no Carnaval do Rio de Janeiro. Além dos Demônios da Garoa, o samba recebeu uma versão da cantora baiana Gal Costa.
Em 2000, foi escolhida pela população de São Paulo, em um concurso organizado pela Rede Globo, como a música que mais representa a cidade. A partir de 1972, Adoniran começa a trabalhar em televisão. No início eram apenas bicos como "cobaia" para testes de câmera.
Em seguida, começou a atuar em programas humorísticos como "Ceará Contra 007" e "Papai Sabe Nada" da TV Record, além de ter participado das novelas "Mulheres de Areia" e "Os Inocentes". Seu primeiro disco individual só foi gravado em 1974, seguido por outro em 1975, e o último em 1980, este com a participação de vários artistas: Djavan, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Elis Regina, os grupos Talismã e MPB-4, entre outros, participaram do registro em homenagem aos seus 70 anos.
Adoniran Barbosa morreu em 23 de novembro de 1982, aos 72 anos, pobre e quase esquecido. No momento de sua morte estavam presentes apenas sua mulher, Matilde Luttif, e uma irmã dela.
Boêmio, com direito a mesa cativa no salão principal do Bar Brahma, um dos mais tradicionais de São Paulo, Adoniran passou os últimos anos de sua vida triste, sem entender o que tinha acontecido à sua cidade. "Até a década de 60, São Paulo ainda existia, depois procurei mas não achei São Paulo. O Brás, cadê o Brás? E o Bexiga, cadê? Mandaram-me procurar a Sé. Não achei. Só vejo carros e cimento armado." .
Programa Ensaio, TV Cultura 1972.
Confira alguns trechos da tese de doutorado de Dmitri Cerboncini Fernandes
Adoniran Barbosa, nome artístico de João Rubinato nasceu em Valinhos no dia 6 de agosto de 1910 e foi um compositor, cantor, humorista e ator brasileiro.
Filho de imigrantes italianos semianalfabetos fugitivos da fome na Europa, tentaria a todo custo a entrada no meio artístico em sua mocidade.
Não houve dúvidas para ele em relação à qual atividade desempenharia: estabelecer-se como cantor de rádios, à moda daqueles cartazes cariocas que tanto sucesso faziam na época. Tendo abandonado os estudos ainda no primeiro grau primário, seu pai colocou o “filho vagabundo”, de acordo com suas próprias palavras, para trabalhar aos 13 anos de idade. Caçula de uma família de sete filhos e irresponsável como tal, Adoniran desde cedo demonstrou certo rechaço ao trabalho físico, deixando de lado razoáveis empregos conseguidos por intermédio de seus familiares.
Em 1931, com 21 anos, tenta sua primeira séria investida visando a entrada no mundo artístico. Sem possuir contatos de qualquer espécie com pistolões que pudessem lhe garantir um “passaporte” para o meio radiofônico, Adoniran participa de um conhecido concurso de calouros na rádio Cruzeiro do Sul.
Na década de 1930 em São Paulo, a tentativa de estabelecimento de uma vida de artista através de participações em rádio era vista com preocupação pelas famílias “honestas”, como a do pai de Adoniran, trabalhador braçal e rude inconformado com as peripécias do filho.
A primeira tentativa de Adoniran no meio radiofônico fracassou profundamente sendo ele eliminado de cara e desencorajado por não possuir a voz rouca demais. Mesmo assim, ele não desiste da idéia da carreira artística, passando a insistir por mais uma chance em várias das emissoras. Vendedor por natureza, Adoniran tenta por diversas vezes persuadir o pessoal responsável pelas programações radiofônicas.
O ambiente frequentado por Adoniran compreendia certa boêmia, um desregramento social e atitudes avessas aos padrões tidos como corretos.
Dessa forma, Adoniran resolve atirar para outros lados: a composição e o que mais viesse pela frente. Compõe uma marchinha carnavalesca e concorre ao primeiro prêmio organizado pela imprensa em tal quesito. É agraciado em 1935 com a conquista desse concurso: melhor marcha do ano. Com influência confessa das canções em voga no Rio de Janeiro, Adoniran assim sai pela primeira vez do semi-anonimato, aos 25 anos. Apoiado nesta conquista, consegue um emprego na recém-inaugurada rádio São Paulo, sendo logo dispensado, todavia.
O mercado de cantores abria-se no período de carnaval na década de 1930. Contratavam-se artistas até então desconhecidos para o preenchimento das vagas da intensa grade requerida na disputa entre as rádios para ver quem melhor cobriria e promoveria o carnaval. Passado o período das festas, as programações voltavam ao normal e os “sambas de meio de ano” ocupavam novamente a fatia maior das emissoras com o retorno dos diletos “cartazes”.
Adoniran consegue penetrar noutro mercado em expansão: o de discos com um relativo sucesso. É assim que em 1936 ele termina por ser contratado para desempenhar um papel cômico em um humorístico, espécie de programa em expansão nas rádios. De volta à rádio São Paulo, Adoniran ganharia uma estabilidade relativa no meio artístico pela primeira vez. Outro fator externo que o auxiliaria na sua jornada em busca de notoriedade: a rádio Nacional, do Rio de Janeiro, estava em processo de franca expansão, levando para terras fluminenses várias das “estrelas” de São Paulo. Muitas vagas para artistas iniciantes e secundários, caso de Adoniran, foram abertas por meio desta interferência carioca no meio radiofônico paulistano.
Seu relativo sucesso na Rádio São Paulo faz com que ele receba um convite para trabalhar na Rádio Bandeirantes. Em 1939 aceitaria um convite da Rádio Educadora e finalmente, em 1940, conseguiria um contrato fixo na Rádio Cosmos, trabalhando em diversos postos nesta rádio, de repórter de rua e âncora de carnaval, a cantor.
Em 1941, Adoniran aceita um novo convite feito pelo seu amigo Octávio Gabus Mendes, agora na Rádio Record, para voltar a participar como ator de humorísticos, seu veio principal e mais elogiado até então. Após seis anos de intenso trânsito entre diversas estações de rádio, na Rádio Record Adoniran encontra alguém que marcaria indelevelmente a sua vida artística: trata-se de Oswaldo Moles. Com 28 anos, esse roteirista era tido como um prodígio na época. Jornalista, havia trabalhado nos periódicos da época junto a personagens da alta cultura como Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Lasar Segall. Moles, por meio dos caracteres de sua criação, trazia um quê de crítica social aos antes ingênuos programas humorísticos. Textos rimados tornavam-se hilários na interpretação própria emprestada por Adoniran. Assim, em meados da década de 1940, Adoniran de fato transformava-se em humorista, passando a receber um polpudo salário da Record.
Tal é o sucesso de suas performances humorísticas que, em 1945, é convidado a estrelar um filme no Rio de Janeiro, fato que volta a ocorrer em 1946. Por insistência de Oswaldo Moles, Adoniran retornaria à sua antiga atividade, a de cantar, modalidade da qual estava afastado fazia alguns anos.
Adoniran desse modo volta a canalizar sua libido criativa na composição de canções. De 1938 até 1944, período de ascensão em sua carreira de ator cômico, Adoniran compôs apenas duas canções. Já estável nessa atividade, de 1945 a 1946 o ânimo lhe retorna, e quatro canções em parceria são compostas no estilo carioca de Ismael Silva que tanto sucesso conquistava na época - com críticas machistas às mulheres. Os jornalistas saudavam-no como grande humorista, sem maiores considerações
com relação à sua faceta de compositor ou “sambista”, identidade impensável naquele tempo para o Adoniran autor de canções que quase nenhum êxito obtinham.
Por meio dos sketches de Moles, Adoniran interpretava os mais variados personagens, demonstrando uma grande versatilidade na representação de papéis cômicos, como a imitação de italianos, japoneses, judeus e outras populações estigmatizadas por suas pronúncias.
Porém, o ano de 1950, foi marcado por uma grande perda para Adoriran: Moles, mentor de seu sucesso, criador das histórias e programas que fizeram do desconhecido Adoniran um famoso comediante, pedira demissão à Rádio Record reclamando da falta de prestígio e autonomia para
fazer programas de teores “nobres” e educativos, conforme seu “cultivo” anterior exigia. Possuindo uma educação refinada, Moles não se contentava com o mero e fugaz sucesso dos programas populares; o veículo considerado subalterno não o seduzia mais e nem lhe fornecia espaço para desenvolver projetos “culturais”. Adoniran via-se de repente sendo levado de volta a uma situação de insegurança, podendo retornar ao temido ostracismo na ausência da figura que o elevou com suas criações ao patamar de artista de sucesso. Adoniran passa a periclitar novamente sem seu mentor, tentando sobreviver a duras penas no mundo humorístico. A década de 1950 marcaria também a vinda de várias das estrelas musicais do Rio de Janeiro para as financeiramente abastadas estações de rádio paulistanas. Artistas do porte de Aracy de Almeida, Almirante, Dorival Caymmi e locutores como César de Alencar vinham para São Paulo, solidificando ainda mais a presença do já assentado e legitimado samba carioca nas rádios paulistanas. O outro caminho possível que Adoniran vislumbrava sem o auxílio luxuoso de Moles era justamente o de voltar às composições, arriscando-se até mesmo a cantar novamente. A posição de destaque conseguida em uma esfera diferente e os variados contatos conquistados no mundo das rádios poderia auxiliá-lo a retornar à atividade de sua antiga predileção. Um fator decisivo se adicionava a essa nova empreitada: suas tomadas de posição agora estavam influenciadas pelos anos de trabalho com Moles. Assim, fugira ao lugar comum e à falta de inovação formal que marcavam suas composições anteriores: compõe “Saudosa Maloca” e outras quatro canções diferentes em certo sentido do cânone carioca já em 1951. A linguagem coloquial repleta de erros gramaticais e acentos característicos das camadas inferiores da população distinguia essa nova fase criativa de Adoniran. A fuga dos temas habituais do samba “tradicional” levava-o a se aproximar da linguagem dos programas humorísticos escritos por Moles.
Por meio de sua relatada insistência conseguira convencer um empresário do ramo fonográfico a gravar sua última composição, “Saudosa Maloca”. O problema era que ele próprio a cantaria.
“Naquela época, meu emprego era de intérprete de programas humorísticos. Minha voz era horrível (...) pra cantar sambas desse gênero. Mas eu tanto insisti que apareceu alguém para gravá-lo.”
Mais um fracasso anunciado para suas investidas musicais. Já escaldado no ano de 1952, Adoniran consegue seu primeiro sucesso nesta nova fase mudando de tática. Trata-se de “Malvina”, canção gravada por um grupo musical composto por jovens, sobretudo, que há algum tempo transitava entre as rádios de São Paulo sem ter auferido grandes realizações: os Demônios da Garoa. Adoniran travara contato com eles nos corredores da Rádio Record e lhes mostrou sua nova composição, que terminou por agradá-los. A canção, com a interpretação dos Demônios, ganharia neste mesmo ano o concurso carnavalesco de sambas promovido pelo jornal “Folha da Tarde”.
É bom lembrar que Adoniran concorreu também neste concurso no quesito “Marcha”, amargando, no entanto, um pífio terceiro lugar com uma canção nos moldes “tradicionais” desse estilo musical.
Adoniran então insiste na manutenção do formato vitorioso do samba do carnaval de 1952, compondo outra canção já “nos moldes” para a cômica interpretação dos Demônios da Garoa: “Joga a Chave”. A canção ganharia o concurso do carnaval de 1953.
Apesar dos dois prêmios consecutivos, Adoniran ainda não vislumbrou uma investida exclusiva na carreira de compositor. Um domínio artístico em formação, como o da música popular urbana nativa de São Paulo da década de 1950, não fornecia a agentes da “estirpe” Adoniran a possibilidade de especialização em uma só área. A fugacidade e precariedade dos sucessos relativos de um artista sem maiores capitais como ele tinha de render ao máximo. Era comum assim o desempenho de vários papéis ao mesmo tempo na nascente indústria cultural, bem como a decorrente procura pela maximização da notoriedade em qualquer área. Adoniran aceita um convite realizado pelo diretor de cinema Lima Barreto para atuar no filme “O Cangaceiro”. Após o sucesso inesperado de crítica recebido tanto pelo filme quanto pela atuação de Adoniran, há uma abertura para outros campos de atuação e uma decorrente maior margem de reconversão de capital para a sua própria atividade principal nas rádios. Nota-se porém que o tom da crítica da época ainda não era de veneração em seu tratamento:
“Quem não conhece Adoniran Barbosa e conversa com ele pela primeira vez tem a impressão de que o radioator da Record, compositor e artista de cinema é doido. E é mesmo. É muito convencido, mas um boa praça. Acha que é o tal. E é mesmo. Considera seu slogan uma maravilha: ‘Adoniran Barbosa, o milionário criador de tipos cômicos’. Ultimamente anda metendo banca pelo papel que desempenhou no filme ‘O Cangaceiro’.(...) Conversando com este cronista, contou mil e uma vantagens com referência a suas fãs. Para não perder o amigo, nós acreditamos. Disse também que é o maior cartaz da B-9”. (Dirceu Matos)
A referida autopromoção alardeada por Adoniran ao jornalista e o decorrente tratamento recebido expressam sua posição em falso ocupada naquele contexto. Adoniran busca a notoriedade à força, justamente por atuar em várias esferas e em nenhuma ao mesmo tempo. Ao não recusar qualquer oportunidade que lhe fosse oferecida, transpassava ao jornalista acima uma arrogância indevida à posição que ocupava. As vantagens exageradas ditas no momento inoportuno da entrevista revelam alguém que ainda buscava uma maior representação simbólica de si mesmo e de seu trabalho, um reconhecimento que lhe era negado pelas instâncias legítimas e pelos próprios críticos. Aliás, mais uma pista taxativa da (não) posição no campo musical ocupada por Adoniran naquele momento era dada pelo diretor Lima Barreto em 1953, que se preparava para estrear um filme sobre Antônio Conselheiro com Adoniran como protagonista, que acabou por fim não sendo realizado: “Aviso aos navegantes: Adoniran é comediante. Antonio Conselheiro é uma figura de tragédia, que nunca foi ridículo na vida real e nem o será no filme. O cômico e o trágico são irmãos xifópagos”.
Adoniran ainda faria mais dois filmes (de comédia) em 1954, aproveitando as rebarbas proporcionadas pela quase já combalida Companhia Vera Cruz de cinema, e um outro sobre o carnaval, em 1955, que trazia todo o elenco da Rádio Record. Em concomitância à realização destes filmes, em 1955 os Demônios da Garoa regravavam despretensiosamente o fracasso de quatro anos atrás na voz de Adoniran, “Saudosa Maloca”. No mesmo 78 rotações saía em seu lado B um outro fracasso daquela época também já gravado por Adoniran, “Samba do Arnesto”. Um inusitado e estrondoso sucesso de 100 mil cópias vendidas naquele mesmo ano credenciava o autor agora não somente como compositor de carnaval, mas também de “sambas de meio de ano”. Elogios de parte de uma crítica de música popular já há muito estabelecida, como a de Dirceu Matos no Jornal Última Hora de 19/06/1953, alguns dos jornalistas-críticos cariocas, emprestavam uma credibilidade inesperada ao compositor.
A gravação realizada em tom burlesco pelos Demônios da Garoa encaixava-se na representação que o público e parte da crítica faziam de Adoniran, transpassando para a música a expectativa em ouvir daquele conhecido comediante “sambas humorísticos”. A crítica carioca defensora da “pureza” e detratora do “mau gosto” popular lamentava ao mesmo tempo a falta de sucesso anterior de Adoniran em sua gravação “mais sincera, mais autêntica” do que a do Demônios, aproximando-o pela primeira vez de um pólo “puro” artístico, um “típico sabor de morro”.
“(...) O sucesso dessa composição de Adoniran Barbosa é merecido. É número de sabor nitidamente caboclo, no colorido, nos versos”. (...) O curioso é que na gravação dos Demônios da Garoa a interpretação do samba tira dele muito daquele sabor típico de morro. No entanto, foi a gravação que pegou, isto é, que alcançou sucesso. A gravação de Adoniran, na Continental, realizada há muito tempo, passou despercebida. E, paradoxalmente, é a que mais fielmente retrata o tema explorado pelo autor, pois ele soube, através do linguajar do malandro das malocas, dos morros, transmitir precisamente aquela poesia bárbara, porém muito humana do samba. (...) A gravação de Adoniran é mais sincera. O samba é mais samba. (...) o gosto do público é caprichoso. Uma gravação editada anteriormente, com a mesma música, de sabor e coloridos mais autênticos, não despertou a atenção de ninguém. Gravada posteriormente alcança sucesso inesperado. Os que apreciam o nosso samba autêntico, puro, sem os artifícios modernos, que sem dúvida o embelezam mas lhe tiram a autenticidade, não devem deixar de ouvir o disco de Adoniran, quer pela face de Saudosa Maloca, quer pelo lado de Samba do Arnesto.” (J. Pereira do Diário da Noite, de 22/06/1955)
Eis que Adoniran amealhava, mais pelo seu fracasso comercial da primeira gravação de 1951 do que pelo sucesso alcançado pelos Demônios com suas composições em 1955, o respeito de críticos do Rio de Janeiro. Jornais de São Paulo abriam também os olhos para Adoniran-compositor neste mesmo ano; enfim, a “bandeira” do samba “autêntico” carioca, inesperada para o até então comediante paulistano, caíra em suas mãos sem que para isso tivesse agido: um reconhecimento legítimo tarimbava-o a permanecer no domínio desse tipo de composição.
Neste ínterim, o roteirista Moles faz as pazes com o rádio e comanda programas de história e análise literária na Bandeirantes que trazem intelectuais como Sérgio Buarque de Hollanda. O agora, possivelmente considerado “compositor popular”, Adoniran Barbosa, funcionário da rádio de há tempos, voltaria a atuar em um programa dirigido por Moles. Trata-se de “História das Malocas”, espécie de novela cômica suburbana que lhe rendeu diversos prêmios de melhor rádio-ator e que permaneceu em primeiro lugar de audiência durante um bom período no acirrado mercado radiofônico paulistano. Em 1956, a televisão passava a chamar mais a atenção dos anunciantes do que o rádio, tendo o programa de Moles, mesmo com tal contratempo, desempenhado um ótimo desempenho em um período de reformulação e início de retração da audiência radiofônica. Em 1957 foi ensaiada uma adaptação do conhecido programa na televisão, o que acabou não dando certo.
Com a atividade humorística em alta, Adoniran apresentava-se com o espetáculo cômico “História das Malocas” em circos e teatros para uma freqüência notável de pessoas pertencentes às baixas camadas sociais. Este período, para Adoniran, foi também um dos mais prolíficos em termos musicais. Empolgado com a recepção de suas canções, Adoniran lançaria em disco - por meio de outros intérpretes, principalmente com o Demônios - uma fornada de dez composições somente em 1956. Na segunda metade da década de 1950, Adoniran solidifica a sua temática e forma de compor, conhecendo relativo sucesso com as canções “Iracema”, “Abrigo de Vagabundos” e “Bom dia tristeza”, na única parceria - e mesmo assim intermediada por Aracy de Almeida - realizada com Vinícius de Moraes. O mesmo Vinícius que criticara os erros gramaticais contidos em “Samba do Arnesto” em 1955.
Poeta reconhecido, pretendente a ocupar a mesma posição no agora já “glamouroso” mundo do samba carioca, Vinícius ainda cunharia, no mesmo ano, a fartamente exposta expressão de que São Paulo seria o túmulo do samba. Esta afirmação traz diversas conseqüências até então ainda não entrevistas pelos estudiosos. Vê-se aqui um agente “neófito” nos domínios do estabelecido samba carioca, um diplomata erudito e reconhecido no meio intelectual querendo ingressar em uma atividade diversa, legitimamente “popular”, reconvertendo seus capitais anteriores para atingir tais fins. Para alcançar sucesso nessa empreitada, nada melhor do que alardear uma afirmação de impacto, pagando desse modo o pedágio “inicial” necessário para a vinculação simbólica no referido domínio. Ao mesmo tempo, Vinícius servia de porta-voz para a reprodução da “verdade” que rondava a música popular daquele momento: a de que São Paulo, de um modo ou de outro, começava a criar certa autonomia relativa em relação à “fonte” carioca.
O sucesso do “estrangeiro” Adoniran naquele ano, referenciado por críticos do Rio de Janeiro, calou fundo nos agentes pertencentes à estrutura nacional-carioca do samba, já estabelecida como legítima.
A década de 1960 inicia-se com Adoniran dividindo-se entre a interpretação de “Charutinho” no “História das Malocas” da Record e a composição despretensiosa de novos sambas. Após ter ampliado seu leque no domínio específico da música no final da década de 1950, compondo canções em parceria com personagens em posições sociais díspares como Gianfrancesco Guarnieri, a jovem Hilda Hilst, o mencionado Vinícius de Moraes e o palhaço Arrelia, Adoniran volta a apresentar-se em circos pelos subúrbios de São Paulo.
Os Demônios da Garoa, principais intérpretes de Adoniran, estavam em um período de baixa após o fechamento da rádio que os empregava, a Nacional de São Paulo. A grande gravadora que lhes fornecia todo o suporte necessário, Odeon, opta em 1963 por não renovar o contrato com o grupo. Adoniran, principal fornecedor de “matéria-prima” dos Demônios, após tentar em vão repetir os sucessos alcançados em 1955-56, volta no início da década de 1960 a investir em sua carreira de comediante na Rádio Record, contribuindo para o período de ostracismo dos Demônios. Nesta entressafra, os Demônios acabam firmando contrato com uma gravadora menor e emergente, a Chantecler, e voltam a desempenhar profissões estranhas ao ramo artístico.
Fortuitamente, entretanto, e sem maiores esperanças de emplacar sucessos como os anteriores, Adoniran continuava a compor. Apresenta assim, em um reencontro casual de 1964 com o pessoal dos Demônios, uma canção inédita. O grupo, à cata de novas composições para um compacto que seria lançado naquele mesmo ano, aceita meio que a contragosto a entrada desta canção no repertório. Tratava-se de “Trem das Onze”, sucesso imediato de vendas e de execução nas rádios, a canção agradou em cheio os críticos-jornalistas do Rio de Janeiro como Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, “re-descobridor” do desaparecido sambista Cartola. “Trem das Onze” levou o prêmio de melhor samba do carnaval do quarto centenário da cidade, o “berço” do samba.
A partir desse inesperado êxito, Adoniran, agora vencedor de algumas nobres insígnias fora de São Paulo, passaria a ser convidado a participar de alguns programas de televisão. Contando já naquele período com o crescimento cada vez mais intenso de público, a televisão firmava-se enquanto principal veículo de comunicação do país. Extremamente ligado à reprodução da música popular na década de 1960 - vide os famosos festivais que se iniciavam - o veículo desempenharia o papel de uma grande alavanca na carreira do sambista. Programas populares como os de Abelardo Barbosa, o Chacrinha e “O Fino da Bossa”, apresentado por Elis Regina, entre outros, passavam a requisitar a sua presença, locais frequentados pelas estrelas emergentes da nova música popular como Chico Buarque, Paulinho da Viola, Caetano Veloso e velhos conhecidos da “era de ouro” do rádio. Com 55 anos de idade e após ter flanado pelos mais variados domínios artísticos populares que se abriam no decorrer do século XX em São Paulo, Adoniran enfim conseguira firmar uma “identidade” secundária junto à crítica especializada (carioca) e a um público ávido pela “verdadeira” música popular: a de um novo-veterano compositor de sambas. Veterano porque Adoniran freqüentara todas as instâncias da indústria cultural em formação no Brasil, desempenhando os mais diversos papéis até então. E novo por alcançar tardiamente uma relativa posição de destaque na estrutura já assentada da música popular. Sucesso este relativo, entretanto, pois não lhe tirou de pronto dos programas humorísticos da Record, nos quais continuaria ativo até o ano seguinte. Relativo e passageiro, poderíamos complementar, como todos os outros sucessos no campo musical que ele havia obtido até o presente momento.
Em 1967, com o suicídio de Oswaldo Moles, a já decadente programação radiofônica da Record perde seu público, o “História das Malocas”, ainda era protagonizado pelo premiado humorista Adoniran. Aliás, a rádio Record era preterida neste momento pela Rede Record de Televisão em termos de orçamento e prioridade para a direção da rede, deixando o humorista-compositor sem maiores perspectivas em seu antigo ambiente de trabalho. Restava a ele neste ponto de inflexão de sua carreira a praia da composição, por meio do passaporte recém-adquirido com “Trem das Onze”. A época, aliás, era propícia às “redescobertas”. No Rio de Janeiro eram criados o bar “Zicartola”, o teatro “Opinião”, o espetáculo “Rosa de Ouro” e outros eventos que tentavam aproximar o elemento artístico tido como “popular” às massas. Era a retomada nacionalista-comunista-cultural do período inicial da ditadura militar que se escorava nos movimentos de exaltação à arte “popular e genuína” lideradas pelos intelectuais ligados ao CPC (Centro Popular de Cultura), órgão pertencente à UNE (União Nacional dos Estudantes).
Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva, entre os “redescobertos”, e Clementina de Jesus, Paulinho da Viola e Élton Medeiros, entre os “descobertos”, representavam os resultados de um momento de reinvenções programáticas no domínio musical-popular. Os movimentos de esquerda que surgiam naquela figuração traziam à tona a busca pelos “verdadeiros” valores da cultura brasileira, devolvendo “ao povo” o próprio elemento popular surrupiado de suas vidas pelo imperialismo cultural.
Os críticos-jornalistas auxiliaram a demarcar e a sedimentar um domínio legítimo do samba externo ao Rio de Janeiro. Personagens de extrema importância para o cultivo e a preservação do elemento nacional-popular na cultura a partir da década de 1960, esse grupo tem suas raízes cravadas nitidamente entre os chamados “folcloristas” da década de 1950.
Em tal configuração, os citados festivais desempenhavam um papel central na nova arquitetura que se estruturava com a chegada da televisão e do impacto causado por este veículo na música popular. Muitos desses festivais contavam com a participação ativa dos personagens acima relacionados no júri, na organização, na idealização etc. A “Bienal do Samba” e o espetáculo “Cancioneiro do Brasil”, ambos realizados em 1968, representaram espécies de reação ao predomínio da Bossa Nova nos festivais daquele período, pensados e produzidos por Alberto Helena Júnior em São Paulo. Este produtor-jornalista fazia parte dos quadros da Record, e lá terminou por conhecer Adoniran e solidificando uma amizade duradoura com o humorista-compositor. Adoniran, que já há algum tempo - desde o sucesso de 1965 com “Trem das Onze” - se via distante de qualquer parada de sucesso com o final do citado programa radiofônico, investia em algumas novas composições que tentava emplacar em todos estes festivais. Apesar de muito bem recebido pelo público em alguns destes, como na Bienal, Adoniran não obteve prêmios. Apesar disso, o experiente “jogador” Adoniran, que agora apostava suas fichas nos festivais, afastava-se um pouco do temido ostracismo, pois havia certa repercussão na imprensa de suas aparições e das canções que o maduro compositor dava a conhecer, como esta reportagem de 1968 explicitava:
“(...) Adoniran vai e volta, como suas músicas. Saudosa Maloca, Trem das Onze e agora Mulher, Patrão e Cachaça, que o tirou outra vez do ostracismo, na Bienal do Samba. O sucesso não é por ele ter vencido, mas porque perdeu. A música foi desclassificada, mas para Adoniran a derrota virou vitória, pois há muito tempo não se falava tanto e tão bem dele”. (Revista Intervalo, edição 282 de 1968) Ostracismo que tanto temia e que insistia em rondar sua cindida carreira. As tentativas não paravam por aí. Mesmo com a idade avançada, seu ímpeto para o sucesso naquele período relembrava ainda suas primeiras tentativas de abiscoitar um emprego no rádio. Com mais alguns fracassos e relativos sucessos nos festivais do final da década de 1960, Adoniran prosseguia na sua tentativa incansável de permanecer em alta no domínio artístico. Conjuntamente à perene atividade de compositor de sambas, Adoniran procurava agora desempenhar as habilidades de sua outra face, a de ator.
Com o arrefecimento dos festivais, Adoniran mais uma vez põe em jogo a operação de reconversão de seus antigos capitais de conhecida figura do rádio para tentar penetrar num novo domínio artístico que se firmava. Conforme ressaltado, a característica que o perseguiu durante sua trajetória foi o intercâmbio constante de atividade artística ao deparar-se com dificuldades contingenciais no trabalho que estivesse exercendo. Se quando termina o programa “Histórias das Malocas” Adoniran investe na composição e consegue emplacar um grande sucesso, ao se deparar com o percalço da inconstância do êxito no domínio musical ele volta-se para uma nova estrutura ainda não muito explorada: a televisão. Por meio dos contatos estabelecidos desde sua época de “Histórias das Malocas” na Record termina por conseguir algumas pontas em novelas e programas humorísticos, com participações esporádicas e a provável volta à obscuridade.
Uma reportagem de 1971 retratava sua situação naquele período:
“Quando era famoso por seus sambas e pelas criações humorísticas no rádio, principalmente pela música Trem das Onze e pelo personagem Charutinho, que durante doze anos dominou o programa Histórias das Malocas, na Rádio Record, com público certo, Adoniran Barbosa nunca estava sozinho. Não faltavam amigos que quisessem um bate-papo, pagassem um aperitivo, pedissem que lhes contasse uma de suas histórias humanas e satíricas. Hoje, aos sessenta anos, ele pode ser encontrado todas as manhãs rondando as cercanias da rádio, na avenida Miruna, em São Paulo, depois de assinar o ponto.” “Ninguém fala comigo, nem um bom-dia ou boa-tarde. Quando muito um alô inexpressivo”, conta ele com olhos lacrimejantes. “Mas eu não guardo rancor de ninguém, pois sei que amanhã estarei por cima novamente. Eles vão respeitar-me e eu vou aceitar tudo tranqüilamente”. (O Globo, 13/11/1971)
Adoniran embriagava-se constantemente nesta derradeira volta à obscuridade. Nem rádio-ator, nem compositor; encontrava-se fora de cogitação em qualquer domínio artístico. O homem que tudo deu de si para a estrutura do divertimento desde os primórdios da implementação da indústria cultural de São Paulo não teria o contrapeso simbólico em uma altura já avançada da vida. A morte biológica se aproximaria junto à morte social, situação impensável para aquele Adoniran que do céu do reconhecimento alheio já havia passado para o inferno da obscuridade diversas vezes. A indiferença para com ele da instituição que o abrigava como empregado desde a década de 1950, a Rádio (agora Rede) Record, deixava-o completamente desolado, a ponto de rasgar parte do arquivo de antigos scripts mantidos em casa de papéis que havia desempenhado na rádio; enfim, de rasgar simbólica-materialmente a história de sua ligação com a instituição que dava sentido à sua vida, ou seja, de rasgar a sua própria história.
Desde sempre em sua vida profissional, Adoniran esteve entrelaçado com as instituições do entretenimento que se formavam, dependendo delas de todas as formas. O reconhecimento buscado por ele era o institucional, pois Adoniran não conhecera outra maneira de expressão artística popular a não ser aquela mediada principalmente pelas instituições recém-surgidas por volta da década de 1930: o rádio e o cinema. Se comparássemos suas produções com as realizadas pelos sambistas do Rio de Janeiro na mesma época em que se iniciou no rádio, ele emergiria como um interesseiro compositor de sucessos dirigidos ao público amplo ou ao comércio de discos. O sentido de sua obra, de suas tomadas de posição, de uma maneira mais ampla, estava contido no reconhecimento alheio, de um grande público, que seria mediada terminante e explicitamente pelos canais da denominada indústria cultural. Ao contrário dos produtores “puros” do Rio de Janeiro, Adoniran passa a maior parte de sua vida deslocado entre dois eixos impossíveis, entre duas posições em falso, adquirindo apenas no último instante de sua carreira uma legitimidade completa que lhe garantia o direito de existência no panteão maior dos artistas populares.
Nesse período de desânimo e conseqüente escassez de composições e sucessos - final da década de 1960 e início da de 1970 -, Adoniran pede explicitamente a amigos influentes nos meios midiáticos trabalhos que pudessem lhe render ganhos simbólicos e materiais. O veterano artista estrelaria assim um comercial para uma marca de cerveja em que profere um bordão inventado e adaptado por ele, que faria um tremendo sucesso no rádio e na televisão, o “nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar?”. A partir desse ponto, aproveitando-se dessa nova deixa, ele baseia uma canção no bordão do comercial. Este pequeno sucesso lhe encoraja a demandar novamente papéis em novelas - ainda que dissesse publicamente que era “convidado”, demonstrando nessa altura ter apreendido elementos de autopromoção mais sutis que os já citados no início de sua carreira. Descontente com o tratamento dispensado a ele na Rede Record, o agora oficialmente aposentado Adoniran (1973) se oferece como ator para as novelas da Rede Tupi, que se tornaria mais para frente Rede Globo. Após relativo sucesso na interpretação de um personagem em uma novela de 1973, espalharia aos quatro ventos sua intenção de fazer-se exclusivamente ator de telenovelas. Os acontecimentos do ano de 1973 marcaram, entretanto, a carreira do compositor de forma indelével. O plano de firmar-se definitivamente como ator naufragou, porém com uma grande compensação: inesperadamente passavam a ser realizadas, após seu sucesso na referida telenovela, diversas homenagens ao “artista completo” Adoniran Barbosa.
Pelão (1942-), figura já citada acima, era um ativista de muito fôlego no domínio da música popular. Boêmio, nacionalista, e declaradamente comunista, este ex-estudante paulista de agronomia desempenhou um papel de extrema relevância no “retorno” triunfal não só de Adoniran Barbosa, como de vários outros sambistas “esquecidos” naquele período no domínio musical. Produtor cultural de rádio, de casas noturnas, da rede de televisão Tupi na década de 1970 - local em que conheceu
Adoniran -, e posteriormente na Rede Globo de Televisão em São Paulo e no Rio, Pelão possuía bom trânsito também nos meios intelectuais de São Paulo. Freqüentador dos “morros” cariocas desde sua juventude, onde chegou a travar contato com os “ mestres” do gênero como Cartola, Nelson Cavaquinho, Xangô da Mangueira, entre outros, Pelão, por meio dos diversos contatos que possuía nos meios musicais de São Paulo e do Rio de Janeiro, organizava um série de espetáculos em São Paulo em 1973 que se chamava “Segunda o Samba é Lei” no teatro 13 de maio. Juntava os grandes nomes do samba tradicional do Rio aos que viriam a se tornar os baluartes de São Paulo, como Geraldo Filme. Em uma dessas apresentações, Pelão decidiu homenagear seu amigo Adoniran lotando o teatro de artistas/estrelas da telenovela de que ele participara e dos mais renomados sambistas cariocas, como Cartola. Pelão trouxe ainda do Rio nesta mesma noite o seu amigo Sérgio Cabral, que vinha desempenhando papel semelhante ao seu no Rio de Janeiro. Tendo em seu currículo a produção de espetáculos de Donga, Nelson Cavaquinho, Cartola, Carlos Cachaça etc., Pelão desenvolve a idéia de gravar LP’s desses já consagrados nomes, pois a maioria deles nunca tivera a oportunidade de realizar tal façanha nas décadas anteriores. É assim que, através de um amigo diretor de uma grande gravadora carioca, a Odeon, Pelão consegue registrar e lançar em 1973 o LP de Nelson Cavaquinho. Em 1974, depois de muita insistência, Pelão lança o primeiro LP de Adoniran Barbosa por esta mesma gravadora, mesmo ano em que consegue, junto à pequena gravadora Marcus Pereira, gravar o primeiro LP de Cartola. O artigo que alguns anos antes seria facilmente rechaçado pela maioria das gravadoras, qual seja, um LP de compositores de samba “tradicional” cantando suas próprias composições com suas já combalidas vozes sexagenárias e como acompanhamento contando com uma instrumentação simples de um conjunto regional, tornava-se algo agora cultuado por uma minoria de intelectuais e novos connaisseurs que já formavam uma seleta platéia no domínio da música popular. Pelão aproveitava assim com maestria sua posição privilegiada no meio artístico para “saldar” a dívida que a indústria possuía com estes senhores que passaram a maior parte da vida distantes do fulcro da reprodução econômica e simbólica das instituições culturais que muitos deles ajudaram a formar.
O grupo de críticos e jornalistas citados acima - quase todos ligados seja diretamente, seja apenas ideologicamente aos movimentos de esquerda de contestação ao regime militar - havia conquistado posição de destaque junto aos órgãos de imprensa em geral, criando condições propícias para que uma especialização nos assuntos “samba” e “choro” fosse criada naquele momento nos canais existentes para tal. José Ramos Tinhorão, Sérgio Cabral, Tárik de Souza, Maurício Kubrusly, Roberto Moura, entre outros, passavam a assinar colunas semanais nos mais destacados veículos de imprensa, assim como coleções de discos, prefácios de livros, contracapas de LP’s, livros dedicados aos gêneros musicais populares e biografias dos agentes deste campo. Eram responsáveis pela produção de diversos espetáculos dos gêneros “genuinamente” populares e nacionais, muitas vezes transmitidos pela televisão, local em que eles possuíam bom trânsito e influência. O que Adoniran não havia conseguido junto à crítica esparsa da música popular existente anteriormente ele conseguiu com o lançamento de seu primeiro LP.
É impossível afirmar que o impacto causado por este LP na crítica especializada deu-se por conta do canções inéditas que o compunham. Aliás, apenas uma dentre as doze canções escolhidas pelo produtor Pelão era recém-composta: a “Véspera de Natal”. Velhas conhecidas do público da era do rádio, como “Saudosa Maloca”, “Trem das Onze”, “Bom Dia Tristeza”, entre outras, recheavam o LP que contava com arranjos simples e o tempero da interpretação de um Adoniran que equilibrava certo tom melancólico em sua voz rouca sem no entanto abusar de vibratos ou de outros artifícios correntes entre os cantores de sua geração. Entretanto, não eram os elementos “internos” à estrutura musical do disco que chamariam a atenção dos críticos, como veremos a seguir. Estes começavam a enxergar Adoniran através de características distintas das definidoras do samba carioca, fornecendo uma autonomia relativa à sua arte, algo negado anteriormente pelos críticos cariocas - como o citado J. Oliveira - que analisavam suas obras através de conceitos presentes na estrutura da crítica do Rio e de seus gêneros musicais legitimados como “autenticamente cariocas”. Os críticos a partir de então passam a avalizar a forma narrativa contida na linguagem utilizada por Adoniran, distinguindo-a como elemento definidor desse “novo” (porém velho) samba que “surgia”.
O jornalista e escritor carioca Roberto Moura chamava a atenção no “Diário de Notícias” do Rio de
Janeiro de 01/09/1974, por exemplo, para as características presentes na linguagem encravada na recém inaugurada “tradição” paulista utilizada por Adoniran em suas canções e do significado maior atingido pelo conjunto da obra deste compositor na cultura e conjuntura nacionais. Equipara-o, de lambujem, não mais a personagens secundários do cenário artístico, mas a uma criação de um monstro consagrado do modernismo brasileiro e paulistano, Oswald de Andrade.
“Adoniran é um personagem de Oswald de Andrade. (...) Seus arquétipos, sua maneira de elaborar as frases, tudo em Adoniran remete diretamente para a linguagem mestiça dos imigrantes italianos, japoneses e portugueses (principalmente) e dos nativos que absorviam como podiam as novas formas de linguagem. Nesse sentido, Adoniran é um compositor essencialmente paulista – mesmo que isso contrarie alguns críticos que preferem a gratuidade de definições como “o mais carioca sambista de São Paulo”. Mentira: ele é o mais paulista de todos os sambistas.” (Roberto Moura Diário de Notícias”)
Outro jornalista e escritor carioca, Tárik de Souza, preferia filiar Adoniran ao underground universal, ao elemento artístico conhecido e cultivado por iniciados apenas, fora do grande circuito de produção da indústria cultural já armada:
“No Brasil, o underground sonoro nem sempre é o que assim parece. Muito menos suas figuras representativas – como Andy Warhol e Lou Reed nos Estados Unidos, David Bowie e o conjunto Pink Floyd na Inglaterra, que, depois de alguns anos de carreira, acumularam elogios e fortuna. Sem muito rigor, pode-se dizer que o prosaico João Rubinato (...) é um legítimo artista subterrâneo brasileiro. Em todo caso, seu primeiro LP individual, digno desse nome, somente foi lançado na semana passada, após quase cinqüenta anos de carreira, e ainda sob o impacto de um desgastante rodízio de rótulos: maldito, antiestético, genial”.
José Ramos Tinhorão, jornalista, crítico e historiador, também sublinhava em texto reproduzido no “Jornal do Brasil” de 01/08/1974 a “paulistanidade” desse compositor. Podemos vislumbrar o início de um processo que esta crítica ajudaria a impulsionar, o da legitimação de uma nova posição no campo do samba ou a possibilidade de existência de um samba “legítimo” em São Paulo.
“Artista de rádio e televisão, Adoniran Barbosa especializou-se, como compositor, num tipo de sambareportagem sobre a vida popular de São Paulo que só encontra paralelo no Rio de Janeiro, na obra dos letristas de sambas de breque (e, talvez nada por coincidência, Adoniran começou no rádio paulista como cantor de sambas de breque).
Talvez por esse excesso de regionalismo – as letras dos sambas de São Paulo são escritas num jargão
praticamente exclusivo de negros e mestiços paulistanos democraticamente identificados com descendentes de antigos imigrantes italianos – o grande compositor paulista não tenha conseguido atingir o justo reconhecimento nacional de seu trabalho. (...) Parece ter chegado a hora de sanar essa dívida com o grande compositor-repórter de São Paulo. (...) Para o grande público o LP de Adoniran Barbosa não será certamente tão digestivo quanto um confeito musical de duplas como Toquinho e Vinícius de Moraes ou Antonio Carlos e Jocafi, mas para quem sabe apreciar um bom prato regional, em termos de música popular, não há melhor oportunidade do que esta. Adoniran Barbosa é o que há de mais puro em sabor paulistano, em matéria de música popular: prove ouvindo sambas como “Abrigo de Vagabundos” e “Iracema”, você vai ver”. (José Ramos Tinhorão, “Jornal do Brasil” de 01/08/1974)
No lançamento deste seu primeiro LP, os censores militares criticaram e excluíram duas canções,
alegando a presença de elementos subversivos em uma e a má utilização do vernáculo em outra, chegando a recomendar que Adoniran seguisse os cursos do MOBRAL (Movimento Brasileiro pela Alfabetização) no período.
Após o relativo sucesso de vendas e o tremendo sucesso de crítica, a gravadora Odeon resolve lançar seis meses depois do primeiro o segundo LP de Adoniran (1974). Neste ínterim, o produtor Pelão ficaria sabendo da admiração que o crítico literário, sociólogo e professor emérito da Universidade de São Paulo Antonio Candido nutria pelas composições de Adoniran. Pelão foi apresentado a Antonio Candido por seu amigo Carlinhos Vergueiro, parceiro de Adoniran em algumas composições e marido de uma das filhas de Antonio Candido na época. Explicando a situação enfrentada na produção do primeiro LP com as constrangedoras críticas proferidas pela censura militar, Pelão consegue convencer Antonio Candido a se expressar sobre a obra de Adoniran, colocando na contracapa do disco a ser lançado um texto seu inédito, escrito exclusivamente para aquela ocasião. A partir desse ponto, o elemento universal negado pelos críticos menores no primeiro LP estaria vindo a galope por meio do consagradíssimo intelectual que calaria as vozes dissonantes. A palavra final sobre o valor da obra de Adoniran seria fornecida por meio de uma figura exterior ao mundo do samba, por um intelectual institucional que congregava mais capital simbólico em todas as instâncias da cultura do que todos os outros intérpretes menores juntos.
Antonio Candido discordaria da identificação feita pelos críticos-jornalistas cariocas a Adoniran por meio de sua fina dialética. No texto definitivo do papel de Adoniran na cultura nacional, o intelectual maior alça Adoniran a alturas nunca dantes imaginadas, elevando-o ao patamar dos maiores nomes das manifestações populares brasileiras:
“Adoniran Barbosa é um grande compositor e poeta popular, expressivo como poucos (...)
Já tenho lido que ele usa uma língua misturada de italiano e português. Não concordo. Da mistura, que é o sal de nossa terra, Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira, em que as melhores cadências do samba e da canção, alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se aliaram com naturalidade às deformações normais de português brasileiro, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nóis fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse país. Em São Paulo, hoje, o italiano está na filigrana. A fidelidade à música e à fala do povo permitiram a Adoniran exprimir a sua cidade de modo completo e perfeito.(...) A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasileiras em geral e paulistanas em particular.(...)
Lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado, com o encanto insinuante da sua antivoz rouca, o chapeuzinho da aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta dos outros tempos, ele é a voz da Cidade.(...) Talvez João Rubinato não exista, porque quem existe é o mágico Adoniran Barbosa, vindo dos corredores de café para inventar no plano da arte a permanência da sua cidade e depois fugir, com ela e conosco, para a terra da poesia, ao apito fantasmal do trenzinho perdido da Cantareira.” (Antonio Candido, contra capa do LP de 1974)
Este segundo LP, reunindo também em sua grande maioria composições antigas do sambista-mor de
São Paulo, agrupava todos os elementos para a consagração final de Adoniran. Desde o início já saía com a chancela de Antonio Candido, o que inibiria a crítica especializada a desfechar uma mínima observação destoante da pura aclamação. Entrava assim Adoniran para o seleto rol dos sambistas imortais. Convidado de honra de diversos espetáculos como a “Noitada do Samba” do Teatro Opinião, templo do samba tradicional no Rio de Janeiro, apresentou-se ladeado por personagens como Nelson Cavaquinho, a emergente Dona Ivone Lara, Cartola, entre outros. O público universitário que cultuava naquela figuração a “verdadeira” cultura popular nacional nesse período de diversos “inimigos” internos e externos, como a ditadura militar, a “alienação” internacionalista cultural etc, passava a também enxergar no sambista Adoniran a personificação de seus ideais estético-musicais.
Ainda em 1975, o antigo humorista ganhava o prêmio de Professor Emérito do Instituto Musical de São Paulo, dentro do novo (e derradeiro) período que se iniciava em sua vida, o do recebimento de reconhecimento incondicional.
Adoniran não abandonaria ainda as telenovelas; atuaria porém em um nível distinto do anterior. Uma novela que o artista estrelava em 1976 possuía uma canção de fundo de sua autoria. Em 1975, uma turnê de espetáculos pelo Brasil foi produzida por Pelão, a quem Adoniran creditaria todos os méritos por sua (re)aparição gloriosa no domínio do samba. Outros consagrados do samba carioca, como o também ator, cantor e compositor Mário Lago, o elegeriam ainda como um “perfeito repórter popular” neste mesmo ano.
Mais e mais espetáculos, gravações, aparições em programas de televisão e homenagens gerais
avolumavam-se no final da vida de Adoniran. Apresentava-se ainda ao lado de consagrados de diversos
domínios da música popular, como Elis Regina, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Mestre Marçal etc, era tema de enredos em escolas de samba paulistas, estava presente em todos os eventos marcantes, como espetáculos de aniversário da sua cidade, enfim, era coroado e constantemente reconhecido como um dos grandes nomes da música popular brasileira. Em 1980, o “patriarca do samba paulista” receberia uma das últimas homenagens em vida, no seu septuagésimo aniversário, com um grande espetáculo no Bixiga. Aliás, a quantidade de espetáculos e gravações com que de repente Adoniran se viu envolvido forçou-o a racionalizar a carreira que até então desenvolvera de modo artesanal. O incumbido dessa empreitada organizacional foi o compositor, cantor e empresário Eduardo Gudin, na época dono de uma agência de promoções artísticas e gravações de LP’s independentes. Esta reorganização, contudo, não duraria muito.
Em 1982 chegaria ao fim a trajetória do artista “universal” de São Paulo. Aos 72 anos de idade o mais que condecorado em vida Adoniran Barbosa transformava-se agora em estátua no Bixiga, nome de rua no mesmo bairro, nome do sambódromo paulistano e de tantos outros monumentos e praças espalhados pelo Brasil. Talvez o único artista popular de São Paulo a receber tais homenagens póstumas. São Paulo também passaria a ter seu próprio “mistério do samba” após Adoniran.
Considerações finais
Adoniran Barbosa é, sem dúvida, um compositor e cantor que tem um longo aprendizado, num arco que vai do marmiteiro às frustrações causadas pela rejeição de seu talento. Procura de várias maneiras fazer seu sonho acontecer. Tenta, antes do advento do rádio, o palco, mas é sempre rejeitado. Sem padrinhos e sem instrução adequada, o ingresso nos teatros como ator lhe é para sempre abortado. O samba, no início da carreira, tem para ele caráter acidental. Escolado pela vida, sabia que o estrelato e o bom sucesso econômico só seriam alcançados na veiculação de seu nome na caixa de ressonância popular que era o rádio.
Adoniran percebeu as possibilidades que se abrem a seu talento. Quer ser ator, popularizar seu nome e ganhar algum dinheiro, mas a rejeição anterior o leva a outros caminhos. Sua inclinação natural no mundo da música é a composição mas, nesse momento, o compositor é um mero instrumento de trabalho para os cantores, que compram a parceria e, com ela, fazem nome e dinheiro. Daí sua escolha recair não sobre a composição, mas sobre a interpretação.
Busca conquistar seu espaço como cantor – tem boa voz, poderia tentar os diversos programas de calouro. A vida profissional de Adoniran Barbosa se desenvolve a partir das interpretações de outros compositores.
O mergulho que o sambista fará na linguagem, suas construções linguísticas, pontuadas pela escolha exata do ritmo da fala paulistana, irão na contramão da própria história do samba. Os sambistas sempre procuraram dignificar sua arte com um tom sublime, o emprego da segunda pessoa, o tom elevado das letras, que sublimavam a origem miserável da maioria, e funcionavam como a busca da inserção social. Tudo era uma necessidade urgente, pois as oportunidades de ascensão social eram nenhumas e o conceito da malandragem vigia de modo coercitivo. Assim, movidos pelos mesmos desejos que tinha Adoniran de se tornar intérprete e não compositor, e a partir daí conhecido, os compositores de samba, entre uma parceria vendida aqui e outra ali, davam o testemunho da importância que a linguagem assumia como veículo social.
Todavia, a escolha de Adoniran é outra, seu mergulho também outro. Aproveitando-se da linguagem popular paulistana – de resto do próprio país – as músicas dele são o retrato exato desta linguagem e, como a linguagem determina o próprio discurso, os tipos humanos que surgem deste discurso representam um dos painéis mais importantes da cidadania brasileira. Os despejados das favelas, os engraxates, a mulher submissa que se revolta e abandona a casa, o homem solitário, social e existencialmente solitário, estão intactos nas criações de Adoniran, no humor com que descreve as cenas do cotidiano. A tragédia da exclusão social dos sambistas se revela como a tragicômica cena de um país que subtrai de seus cidadãos a dignidade.
Arguto observador das atividades humanas, sabe também que o público não se contenta apenas com o drama das pessoas desvalidas e solitárias; é necessário que se dê a este público uma dose de humor, mesmo que amargo. Compõe para esse público um dos seus sambas mais notáveis, um dos primeiros em que trabalhou a nova estética do samba. Programa "Por toda minha vida", Rede Globo.
Por fim termino com a frase de André Spera, na matéria sobre o centenário de Adoniran na Veja São Paulo, "Grandes artistas, seja na música, no cinema, artes plásticas, etc, têm algo que toda a técnica do mundo jamais vai suprir. Eles refletem o mundo de seu tempo. Não em grandes letras homéricas, não em sagas monstruosas ou em telas de cinco por dez metros. São suas pequenas jóias, espalhadas em trechos simples que refletem aquela migalha de pensamento genial."
Músicas
1974 - Lado 1
Abrigo De Vagabundos – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:48)
Bom Dia Tristeza – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Vinicius de Moraes) (3:04)
As Mariposas – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:01)
Saudosa Maloca – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:29)
Iracema – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:58)
Já Fui Uma Brasa – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Marcus César) (2:41)
1974 - Lado 2
Trem Das Onze – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (3:13)
Prova De Carinho – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Hervé Cordovil) (2:08)
Acende O Candieiro – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:23)
Apaga O Fogo Mané – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:39)
Véspera De Natal – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:54)
Deus Te Abençoe – Adoniran Barbosa – (Peteleco) (2:54)
1975 - Lado 1
No Morro Da Casa Verde – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:24)
Vide Verso Meu Endereço – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (3:32)
Tocar Na Banda – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:00)
Malvina – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:10)
Não Quero Entrar – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:36)
Samba Italiano – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:02)
1975 - Lado 2
Triste Margarida (Samba Do Metrô) – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:33)
Mulher, Patrão E Cachaça – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo Moles) (2:52)
Pafunça – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo Moles) (2:17)
Samba Do Arnesto – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Alocin) (2:31)
Conselho De Mulher – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa, João Belarmino Dos Santos & Oswaldo Moles) (2:28)
Joga a Chave – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo França) (2:18)
Fotos dos vinis
Gravadora: Odeon
Gênero: Samba
Obs: o álbum não está a venda.
Para esse fim, coloquei algumas partes de uma tese de doutorado de Dmitri Cerboncini Fernandes: "Adoniran Barbosa e as Metamorfoses do Samba Paulista: Uma Interpretação". Achei interessante a maneira como o autor tratou a inserção da personalidade do samba de Adoniran em meio aos bambas do samba carioca, além de abordar os percalços da vida e carreira do mestre, ressaltando o lançamento dos dois LP´s gravados pela Odeon em 1973 e 1974, que adquiri recentemente.
Adoniran Barbosa, nome artístico de João Rubinato (Valinhos, 6 de agosto de 1910 — São Paulo, 23 de novembro de 1982), foi um compositor, cantor, humorista e ator brasileiro.
João Rubinato era filho de Francesco (Fernando) Rubinato e Emma Ricchini, imigrantes italianos da localidade de Cavárzere, província de Veneza. Seus avós paternos eram Angelo Rubinato e Anna Manfrinato, e os maternos, Francesco Ricchini e Antonia Freddo. Seus pais se casaram em Cavàrzere em 23 de maio de 1895, poucos meses antes de embarcarem para o Brasil em busca de uma vida melhor2 . Seus pais desembarcaram em Santos em 15 de setembro de 1895, passaram pela Hospedaria dos Imigrantes, e foram trabalhar nas lavouras do município de Tietê. Sua mãe morreu em 1939 e seu pai em 1943.
Adoniran Barbosa em 1935 - Foto: Arquivo da família. |
Em 1933, depois de ser desclassificado inúmeras vezes devido à sua voz fanha, Adoniran conquistou o primeiro lugar no programa de Jorge Amaral cantando "Filosofia" de Noel Rosa. Em 1935, compôs, em parceria com o maestro e compositor J. Aimberê, sua primeira música "Dona Boa", eleita a melhor marcha do Carnaval de São Paulo naquele ano. Na rádio Cruzeiro do Sul ficou até 1940, transferindo-se, em 1941, para a rádio Record, a convite de Otávio Gabus Mendes. Ali começou sua carreira de ator participando de uma série de radioteatro intitulada "Serões Domingueiros".
Essa foi a oportunidade para Adoniran começar a criar sua galeria de personagens, sempre cômicos, como o malandro Zé Cunversa ou Jean Rubinet, um galã de cinema francês. O linguajar popular de seus personagens encontrava par em suas composições. A maneira de compor sem se preocupar com a grafia correta tornou-se sua maior característica e lhe rendeu críticas de gente como o poeta e compositor Vinícius de Moraes. Adoniran não deu importância às declarações de Vinícius, tanto que musicou uma poesia do escritor carioca transformando-a na valsa "Bom Dia, Tristeza".
Às críticas que recebia Adoniran rebatia: "só faço samba pra povo. Por isso faço letras com erros de português, porquê é assim que o povo fala. Além disso, acho que o samba, assim, fica mais bonito de se cantar."
Na Record, Adoniran conheceu o produtor Osvaldo Moles, responsável pela criação e pelo texto dos principais tipos interpretados por ele. Os dois trabalharam juntos durante 26 anos. No rádio, um dos maiores sucessos dessa parceria foi o programa "Histórias das Malocas", onde Adoniran representava o personagem Charutinho. O programa ficou no ar pela rádio Record até 1965, chegando a ter uma versão para a televisão. Os dois também dividiram a criação de vários sambas.
Dessa união nasceram, entre outros clássicos, "Tiro ao Álvaro" e "Pafúncia". Em 1945, Adoniran começou a atuar no cinema. Sua primeira participação foi no filme "Pif-Paf", seguido de "Caídos do Céu", em 1946, ambos dirigidos por Ademar Gonzaga. Em 1953, atuou em "O Cangaceiro", de Lima Barreto.
O impulso na carreira de compositor veio em 1951, quando o conjunto Demônios da Garoa saiu premiado do Carnaval paulista com o samba "Malvina", de sua autoria. No ano seguinte, eles repetiram o feito, agora, com a criação de Adoniran Barbosa e Osvaldo Moles, "Joga a Chave". Começava ai mais uma parceria de anos na vida do compositor.
As pequenas crônicas da vida paulistana criadas por Adoniran com sotaque peculiar, resultado da fusão das várias raças que escolheram a capital paulista como morada, tornaram-se conhecidas em todo Brasil na interpretação dos Demônios da Garoa. "Saudosa Maloca", que o próprio autor havia gravado sem sucesso em 1951, foi registrada por eles em 1955 e garavada por Elis Regina nos anos 70. Do mesmo ano é a gravação de "O Samba do Arnesto". Mas foi "Trem das Onze", de 1964, seu maior sucesso. Em 1965 a composição foi premiada no Carnaval do Rio de Janeiro. Além dos Demônios da Garoa, o samba recebeu uma versão da cantora baiana Gal Costa.
Em 2000, foi escolhida pela população de São Paulo, em um concurso organizado pela Rede Globo, como a música que mais representa a cidade. A partir de 1972, Adoniran começa a trabalhar em televisão. No início eram apenas bicos como "cobaia" para testes de câmera.
Em seguida, começou a atuar em programas humorísticos como "Ceará Contra 007" e "Papai Sabe Nada" da TV Record, além de ter participado das novelas "Mulheres de Areia" e "Os Inocentes". Seu primeiro disco individual só foi gravado em 1974, seguido por outro em 1975, e o último em 1980, este com a participação de vários artistas: Djavan, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Elis Regina, os grupos Talismã e MPB-4, entre outros, participaram do registro em homenagem aos seus 70 anos.
Adoniran Barbosa morreu em 23 de novembro de 1982, aos 72 anos, pobre e quase esquecido. No momento de sua morte estavam presentes apenas sua mulher, Matilde Luttif, e uma irmã dela.
Adoniran com sua esposa Mathilde, sua companheira por 40 anos - Foto: Arquivo da família |
Programa Ensaio, TV Cultura 1972.
Confira alguns trechos da tese de doutorado de Dmitri Cerboncini Fernandes
Adoniran Barbosa, nome artístico de João Rubinato nasceu em Valinhos no dia 6 de agosto de 1910 e foi um compositor, cantor, humorista e ator brasileiro.
Filho de imigrantes italianos semianalfabetos fugitivos da fome na Europa, tentaria a todo custo a entrada no meio artístico em sua mocidade.
Não houve dúvidas para ele em relação à qual atividade desempenharia: estabelecer-se como cantor de rádios, à moda daqueles cartazes cariocas que tanto sucesso faziam na época. Tendo abandonado os estudos ainda no primeiro grau primário, seu pai colocou o “filho vagabundo”, de acordo com suas próprias palavras, para trabalhar aos 13 anos de idade. Caçula de uma família de sete filhos e irresponsável como tal, Adoniran desde cedo demonstrou certo rechaço ao trabalho físico, deixando de lado razoáveis empregos conseguidos por intermédio de seus familiares.
Em 1931, com 21 anos, tenta sua primeira séria investida visando a entrada no mundo artístico. Sem possuir contatos de qualquer espécie com pistolões que pudessem lhe garantir um “passaporte” para o meio radiofônico, Adoniran participa de um conhecido concurso de calouros na rádio Cruzeiro do Sul.
Na década de 1930 em São Paulo, a tentativa de estabelecimento de uma vida de artista através de participações em rádio era vista com preocupação pelas famílias “honestas”, como a do pai de Adoniran, trabalhador braçal e rude inconformado com as peripécias do filho.
A primeira tentativa de Adoniran no meio radiofônico fracassou profundamente sendo ele eliminado de cara e desencorajado por não possuir a voz rouca demais. Mesmo assim, ele não desiste da idéia da carreira artística, passando a insistir por mais uma chance em várias das emissoras. Vendedor por natureza, Adoniran tenta por diversas vezes persuadir o pessoal responsável pelas programações radiofônicas.
O ambiente frequentado por Adoniran compreendia certa boêmia, um desregramento social e atitudes avessas aos padrões tidos como corretos.
Dessa forma, Adoniran resolve atirar para outros lados: a composição e o que mais viesse pela frente. Compõe uma marchinha carnavalesca e concorre ao primeiro prêmio organizado pela imprensa em tal quesito. É agraciado em 1935 com a conquista desse concurso: melhor marcha do ano. Com influência confessa das canções em voga no Rio de Janeiro, Adoniran assim sai pela primeira vez do semi-anonimato, aos 25 anos. Apoiado nesta conquista, consegue um emprego na recém-inaugurada rádio São Paulo, sendo logo dispensado, todavia.
O mercado de cantores abria-se no período de carnaval na década de 1930. Contratavam-se artistas até então desconhecidos para o preenchimento das vagas da intensa grade requerida na disputa entre as rádios para ver quem melhor cobriria e promoveria o carnaval. Passado o período das festas, as programações voltavam ao normal e os “sambas de meio de ano” ocupavam novamente a fatia maior das emissoras com o retorno dos diletos “cartazes”.
Adoniran consegue penetrar noutro mercado em expansão: o de discos com um relativo sucesso. É assim que em 1936 ele termina por ser contratado para desempenhar um papel cômico em um humorístico, espécie de programa em expansão nas rádios. De volta à rádio São Paulo, Adoniran ganharia uma estabilidade relativa no meio artístico pela primeira vez. Outro fator externo que o auxiliaria na sua jornada em busca de notoriedade: a rádio Nacional, do Rio de Janeiro, estava em processo de franca expansão, levando para terras fluminenses várias das “estrelas” de São Paulo. Muitas vagas para artistas iniciantes e secundários, caso de Adoniran, foram abertas por meio desta interferência carioca no meio radiofônico paulistano.
Seu relativo sucesso na Rádio São Paulo faz com que ele receba um convite para trabalhar na Rádio Bandeirantes. Em 1939 aceitaria um convite da Rádio Educadora e finalmente, em 1940, conseguiria um contrato fixo na Rádio Cosmos, trabalhando em diversos postos nesta rádio, de repórter de rua e âncora de carnaval, a cantor.
Em 1941, Adoniran aceita um novo convite feito pelo seu amigo Octávio Gabus Mendes, agora na Rádio Record, para voltar a participar como ator de humorísticos, seu veio principal e mais elogiado até então. Após seis anos de intenso trânsito entre diversas estações de rádio, na Rádio Record Adoniran encontra alguém que marcaria indelevelmente a sua vida artística: trata-se de Oswaldo Moles. Com 28 anos, esse roteirista era tido como um prodígio na época. Jornalista, havia trabalhado nos periódicos da época junto a personagens da alta cultura como Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Lasar Segall. Moles, por meio dos caracteres de sua criação, trazia um quê de crítica social aos antes ingênuos programas humorísticos. Textos rimados tornavam-se hilários na interpretação própria emprestada por Adoniran. Assim, em meados da década de 1940, Adoniran de fato transformava-se em humorista, passando a receber um polpudo salário da Record.
Tal é o sucesso de suas performances humorísticas que, em 1945, é convidado a estrelar um filme no Rio de Janeiro, fato que volta a ocorrer em 1946. Por insistência de Oswaldo Moles, Adoniran retornaria à sua antiga atividade, a de cantar, modalidade da qual estava afastado fazia alguns anos.
Adoniran desse modo volta a canalizar sua libido criativa na composição de canções. De 1938 até 1944, período de ascensão em sua carreira de ator cômico, Adoniran compôs apenas duas canções. Já estável nessa atividade, de 1945 a 1946 o ânimo lhe retorna, e quatro canções em parceria são compostas no estilo carioca de Ismael Silva que tanto sucesso conquistava na época - com críticas machistas às mulheres. Os jornalistas saudavam-no como grande humorista, sem maiores considerações
com relação à sua faceta de compositor ou “sambista”, identidade impensável naquele tempo para o Adoniran autor de canções que quase nenhum êxito obtinham.
Por meio dos sketches de Moles, Adoniran interpretava os mais variados personagens, demonstrando uma grande versatilidade na representação de papéis cômicos, como a imitação de italianos, japoneses, judeus e outras populações estigmatizadas por suas pronúncias.
Porém, o ano de 1950, foi marcado por uma grande perda para Adoriran: Moles, mentor de seu sucesso, criador das histórias e programas que fizeram do desconhecido Adoniran um famoso comediante, pedira demissão à Rádio Record reclamando da falta de prestígio e autonomia para
Adoniran e seu principal parceiro, Oswaldo Molles. |
Por meio de sua relatada insistência conseguira convencer um empresário do ramo fonográfico a gravar sua última composição, “Saudosa Maloca”. O problema era que ele próprio a cantaria.
“Naquela época, meu emprego era de intérprete de programas humorísticos. Minha voz era horrível (...) pra cantar sambas desse gênero. Mas eu tanto insisti que apareceu alguém para gravá-lo.”
Mais um fracasso anunciado para suas investidas musicais. Já escaldado no ano de 1952, Adoniran consegue seu primeiro sucesso nesta nova fase mudando de tática. Trata-se de “Malvina”, canção gravada por um grupo musical composto por jovens, sobretudo, que há algum tempo transitava entre as rádios de São Paulo sem ter auferido grandes realizações: os Demônios da Garoa. Adoniran travara contato com eles nos corredores da Rádio Record e lhes mostrou sua nova composição, que terminou por agradá-los. A canção, com a interpretação dos Demônios, ganharia neste mesmo ano o concurso carnavalesco de sambas promovido pelo jornal “Folha da Tarde”.
É bom lembrar que Adoniran concorreu também neste concurso no quesito “Marcha”, amargando, no entanto, um pífio terceiro lugar com uma canção nos moldes “tradicionais” desse estilo musical.
Adoniran então insiste na manutenção do formato vitorioso do samba do carnaval de 1952, compondo outra canção já “nos moldes” para a cômica interpretação dos Demônios da Garoa: “Joga a Chave”. A canção ganharia o concurso do carnaval de 1953.
Apesar dos dois prêmios consecutivos, Adoniran ainda não vislumbrou uma investida exclusiva na carreira de compositor. Um domínio artístico em formação, como o da música popular urbana nativa de São Paulo da década de 1950, não fornecia a agentes da “estirpe” Adoniran a possibilidade de especialização em uma só área. A fugacidade e precariedade dos sucessos relativos de um artista sem maiores capitais como ele tinha de render ao máximo. Era comum assim o desempenho de vários papéis ao mesmo tempo na nascente indústria cultural, bem como a decorrente procura pela maximização da notoriedade em qualquer área. Adoniran aceita um convite realizado pelo diretor de cinema Lima Barreto para atuar no filme “O Cangaceiro”. Após o sucesso inesperado de crítica recebido tanto pelo filme quanto pela atuação de Adoniran, há uma abertura para outros campos de atuação e uma decorrente maior margem de reconversão de capital para a sua própria atividade principal nas rádios. Nota-se porém que o tom da crítica da época ainda não era de veneração em seu tratamento:
“Quem não conhece Adoniran Barbosa e conversa com ele pela primeira vez tem a impressão de que o radioator da Record, compositor e artista de cinema é doido. E é mesmo. É muito convencido, mas um boa praça. Acha que é o tal. E é mesmo. Considera seu slogan uma maravilha: ‘Adoniran Barbosa, o milionário criador de tipos cômicos’. Ultimamente anda metendo banca pelo papel que desempenhou no filme ‘O Cangaceiro’.(...) Conversando com este cronista, contou mil e uma vantagens com referência a suas fãs. Para não perder o amigo, nós acreditamos. Disse também que é o maior cartaz da B-9”. (Dirceu Matos)
A referida autopromoção alardeada por Adoniran ao jornalista e o decorrente tratamento recebido expressam sua posição em falso ocupada naquele contexto. Adoniran busca a notoriedade à força, justamente por atuar em várias esferas e em nenhuma ao mesmo tempo. Ao não recusar qualquer oportunidade que lhe fosse oferecida, transpassava ao jornalista acima uma arrogância indevida à posição que ocupava. As vantagens exageradas ditas no momento inoportuno da entrevista revelam alguém que ainda buscava uma maior representação simbólica de si mesmo e de seu trabalho, um reconhecimento que lhe era negado pelas instâncias legítimas e pelos próprios críticos. Aliás, mais uma pista taxativa da (não) posição no campo musical ocupada por Adoniran naquele momento era dada pelo diretor Lima Barreto em 1953, que se preparava para estrear um filme sobre Antônio Conselheiro com Adoniran como protagonista, que acabou por fim não sendo realizado: “Aviso aos navegantes: Adoniran é comediante. Antonio Conselheiro é uma figura de tragédia, que nunca foi ridículo na vida real e nem o será no filme. O cômico e o trágico são irmãos xifópagos”.
Adoniran ainda faria mais dois filmes (de comédia) em 1954, aproveitando as rebarbas proporcionadas pela quase já combalida Companhia Vera Cruz de cinema, e um outro sobre o carnaval, em 1955, que trazia todo o elenco da Rádio Record. Em concomitância à realização destes filmes, em 1955 os Demônios da Garoa regravavam despretensiosamente o fracasso de quatro anos atrás na voz de Adoniran, “Saudosa Maloca”. No mesmo 78 rotações saía em seu lado B um outro fracasso daquela época também já gravado por Adoniran, “Samba do Arnesto”. Um inusitado e estrondoso sucesso de 100 mil cópias vendidas naquele mesmo ano credenciava o autor agora não somente como compositor de carnaval, mas também de “sambas de meio de ano”. Elogios de parte de uma crítica de música popular já há muito estabelecida, como a de Dirceu Matos no Jornal Última Hora de 19/06/1953, alguns dos jornalistas-críticos cariocas, emprestavam uma credibilidade inesperada ao compositor.
A gravação realizada em tom burlesco pelos Demônios da Garoa encaixava-se na representação que o público e parte da crítica faziam de Adoniran, transpassando para a música a expectativa em ouvir daquele conhecido comediante “sambas humorísticos”. A crítica carioca defensora da “pureza” e detratora do “mau gosto” popular lamentava ao mesmo tempo a falta de sucesso anterior de Adoniran em sua gravação “mais sincera, mais autêntica” do que a do Demônios, aproximando-o pela primeira vez de um pólo “puro” artístico, um “típico sabor de morro”.
“(...) O sucesso dessa composição de Adoniran Barbosa é merecido. É número de sabor nitidamente caboclo, no colorido, nos versos”. (...) O curioso é que na gravação dos Demônios da Garoa a interpretação do samba tira dele muito daquele sabor típico de morro. No entanto, foi a gravação que pegou, isto é, que alcançou sucesso. A gravação de Adoniran, na Continental, realizada há muito tempo, passou despercebida. E, paradoxalmente, é a que mais fielmente retrata o tema explorado pelo autor, pois ele soube, através do linguajar do malandro das malocas, dos morros, transmitir precisamente aquela poesia bárbara, porém muito humana do samba. (...) A gravação de Adoniran é mais sincera. O samba é mais samba. (...) o gosto do público é caprichoso. Uma gravação editada anteriormente, com a mesma música, de sabor e coloridos mais autênticos, não despertou a atenção de ninguém. Gravada posteriormente alcança sucesso inesperado. Os que apreciam o nosso samba autêntico, puro, sem os artifícios modernos, que sem dúvida o embelezam mas lhe tiram a autenticidade, não devem deixar de ouvir o disco de Adoniran, quer pela face de Saudosa Maloca, quer pelo lado de Samba do Arnesto.” (J. Pereira do Diário da Noite, de 22/06/1955)
Eis que Adoniran amealhava, mais pelo seu fracasso comercial da primeira gravação de 1951 do que pelo sucesso alcançado pelos Demônios com suas composições em 1955, o respeito de críticos do Rio de Janeiro. Jornais de São Paulo abriam também os olhos para Adoniran-compositor neste mesmo ano; enfim, a “bandeira” do samba “autêntico” carioca, inesperada para o até então comediante paulistano, caíra em suas mãos sem que para isso tivesse agido: um reconhecimento legítimo tarimbava-o a permanecer no domínio desse tipo de composição.
Neste ínterim, o roteirista Moles faz as pazes com o rádio e comanda programas de história e análise literária na Bandeirantes que trazem intelectuais como Sérgio Buarque de Hollanda. O agora, possivelmente considerado “compositor popular”, Adoniran Barbosa, funcionário da rádio de há tempos, voltaria a atuar em um programa dirigido por Moles. Trata-se de “História das Malocas”, espécie de novela cômica suburbana que lhe rendeu diversos prêmios de melhor rádio-ator e que permaneceu em primeiro lugar de audiência durante um bom período no acirrado mercado radiofônico paulistano. Em 1956, a televisão passava a chamar mais a atenção dos anunciantes do que o rádio, tendo o programa de Moles, mesmo com tal contratempo, desempenhado um ótimo desempenho em um período de reformulação e início de retração da audiência radiofônica. Em 1957 foi ensaiada uma adaptação do conhecido programa na televisão, o que acabou não dando certo.
Com a atividade humorística em alta, Adoniran apresentava-se com o espetáculo cômico “História das Malocas” em circos e teatros para uma freqüência notável de pessoas pertencentes às baixas camadas sociais. Este período, para Adoniran, foi também um dos mais prolíficos em termos musicais. Empolgado com a recepção de suas canções, Adoniran lançaria em disco - por meio de outros intérpretes, principalmente com o Demônios - uma fornada de dez composições somente em 1956. Na segunda metade da década de 1950, Adoniran solidifica a sua temática e forma de compor, conhecendo relativo sucesso com as canções “Iracema”, “Abrigo de Vagabundos” e “Bom dia tristeza”, na única parceria - e mesmo assim intermediada por Aracy de Almeida - realizada com Vinícius de Moraes. O mesmo Vinícius que criticara os erros gramaticais contidos em “Samba do Arnesto” em 1955.
Poeta reconhecido, pretendente a ocupar a mesma posição no agora já “glamouroso” mundo do samba carioca, Vinícius ainda cunharia, no mesmo ano, a fartamente exposta expressão de que São Paulo seria o túmulo do samba. Esta afirmação traz diversas conseqüências até então ainda não entrevistas pelos estudiosos. Vê-se aqui um agente “neófito” nos domínios do estabelecido samba carioca, um diplomata erudito e reconhecido no meio intelectual querendo ingressar em uma atividade diversa, legitimamente “popular”, reconvertendo seus capitais anteriores para atingir tais fins. Para alcançar sucesso nessa empreitada, nada melhor do que alardear uma afirmação de impacto, pagando desse modo o pedágio “inicial” necessário para a vinculação simbólica no referido domínio. Ao mesmo tempo, Vinícius servia de porta-voz para a reprodução da “verdade” que rondava a música popular daquele momento: a de que São Paulo, de um modo ou de outro, começava a criar certa autonomia relativa em relação à “fonte” carioca.
O sucesso do “estrangeiro” Adoniran naquele ano, referenciado por críticos do Rio de Janeiro, calou fundo nos agentes pertencentes à estrutura nacional-carioca do samba, já estabelecida como legítima.
A década de 1960 inicia-se com Adoniran dividindo-se entre a interpretação de “Charutinho” no “História das Malocas” da Record e a composição despretensiosa de novos sambas. Após ter ampliado seu leque no domínio específico da música no final da década de 1950, compondo canções em parceria com personagens em posições sociais díspares como Gianfrancesco Guarnieri, a jovem Hilda Hilst, o mencionado Vinícius de Moraes e o palhaço Arrelia, Adoniran volta a apresentar-se em circos pelos subúrbios de São Paulo.
Os Demônios da Garoa, principais intérpretes de Adoniran, estavam em um período de baixa após o fechamento da rádio que os empregava, a Nacional de São Paulo. A grande gravadora que lhes fornecia todo o suporte necessário, Odeon, opta em 1963 por não renovar o contrato com o grupo. Adoniran, principal fornecedor de “matéria-prima” dos Demônios, após tentar em vão repetir os sucessos alcançados em 1955-56, volta no início da década de 1960 a investir em sua carreira de comediante na Rádio Record, contribuindo para o período de ostracismo dos Demônios. Nesta entressafra, os Demônios acabam firmando contrato com uma gravadora menor e emergente, a Chantecler, e voltam a desempenhar profissões estranhas ao ramo artístico.
Fortuitamente, entretanto, e sem maiores esperanças de emplacar sucessos como os anteriores, Adoniran continuava a compor. Apresenta assim, em um reencontro casual de 1964 com o pessoal dos Demônios, uma canção inédita. O grupo, à cata de novas composições para um compacto que seria lançado naquele mesmo ano, aceita meio que a contragosto a entrada desta canção no repertório. Tratava-se de “Trem das Onze”, sucesso imediato de vendas e de execução nas rádios, a canção agradou em cheio os críticos-jornalistas do Rio de Janeiro como Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, “re-descobridor” do desaparecido sambista Cartola. “Trem das Onze” levou o prêmio de melhor samba do carnaval do quarto centenário da cidade, o “berço” do samba.
Elis Regina e Adoniran. |
Em 1967, com o suicídio de Oswaldo Moles, a já decadente programação radiofônica da Record perde seu público, o “História das Malocas”, ainda era protagonizado pelo premiado humorista Adoniran. Aliás, a rádio Record era preterida neste momento pela Rede Record de Televisão em termos de orçamento e prioridade para a direção da rede, deixando o humorista-compositor sem maiores perspectivas em seu antigo ambiente de trabalho. Restava a ele neste ponto de inflexão de sua carreira a praia da composição, por meio do passaporte recém-adquirido com “Trem das Onze”. A época, aliás, era propícia às “redescobertas”. No Rio de Janeiro eram criados o bar “Zicartola”, o teatro “Opinião”, o espetáculo “Rosa de Ouro” e outros eventos que tentavam aproximar o elemento artístico tido como “popular” às massas. Era a retomada nacionalista-comunista-cultural do período inicial da ditadura militar que se escorava nos movimentos de exaltação à arte “popular e genuína” lideradas pelos intelectuais ligados ao CPC (Centro Popular de Cultura), órgão pertencente à UNE (União Nacional dos Estudantes).
Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva, entre os “redescobertos”, e Clementina de Jesus, Paulinho da Viola e Élton Medeiros, entre os “descobertos”, representavam os resultados de um momento de reinvenções programáticas no domínio musical-popular. Os movimentos de esquerda que surgiam naquela figuração traziam à tona a busca pelos “verdadeiros” valores da cultura brasileira, devolvendo “ao povo” o próprio elemento popular surrupiado de suas vidas pelo imperialismo cultural.
Os críticos-jornalistas auxiliaram a demarcar e a sedimentar um domínio legítimo do samba externo ao Rio de Janeiro. Personagens de extrema importância para o cultivo e a preservação do elemento nacional-popular na cultura a partir da década de 1960, esse grupo tem suas raízes cravadas nitidamente entre os chamados “folcloristas” da década de 1950.
Em tal configuração, os citados festivais desempenhavam um papel central na nova arquitetura que se estruturava com a chegada da televisão e do impacto causado por este veículo na música popular. Muitos desses festivais contavam com a participação ativa dos personagens acima relacionados no júri, na organização, na idealização etc. A “Bienal do Samba” e o espetáculo “Cancioneiro do Brasil”, ambos realizados em 1968, representaram espécies de reação ao predomínio da Bossa Nova nos festivais daquele período, pensados e produzidos por Alberto Helena Júnior em São Paulo. Este produtor-jornalista fazia parte dos quadros da Record, e lá terminou por conhecer Adoniran e solidificando uma amizade duradoura com o humorista-compositor. Adoniran, que já há algum tempo - desde o sucesso de 1965 com “Trem das Onze” - se via distante de qualquer parada de sucesso com o final do citado programa radiofônico, investia em algumas novas composições que tentava emplacar em todos estes festivais. Apesar de muito bem recebido pelo público em alguns destes, como na Bienal, Adoniran não obteve prêmios. Apesar disso, o experiente “jogador” Adoniran, que agora apostava suas fichas nos festivais, afastava-se um pouco do temido ostracismo, pois havia certa repercussão na imprensa de suas aparições e das canções que o maduro compositor dava a conhecer, como esta reportagem de 1968 explicitava:
“(...) Adoniran vai e volta, como suas músicas. Saudosa Maloca, Trem das Onze e agora Mulher, Patrão e Cachaça, que o tirou outra vez do ostracismo, na Bienal do Samba. O sucesso não é por ele ter vencido, mas porque perdeu. A música foi desclassificada, mas para Adoniran a derrota virou vitória, pois há muito tempo não se falava tanto e tão bem dele”. (Revista Intervalo, edição 282 de 1968) Ostracismo que tanto temia e que insistia em rondar sua cindida carreira. As tentativas não paravam por aí. Mesmo com a idade avançada, seu ímpeto para o sucesso naquele período relembrava ainda suas primeiras tentativas de abiscoitar um emprego no rádio. Com mais alguns fracassos e relativos sucessos nos festivais do final da década de 1960, Adoniran prosseguia na sua tentativa incansável de permanecer em alta no domínio artístico. Conjuntamente à perene atividade de compositor de sambas, Adoniran procurava agora desempenhar as habilidades de sua outra face, a de ator.
Com o arrefecimento dos festivais, Adoniran mais uma vez põe em jogo a operação de reconversão de seus antigos capitais de conhecida figura do rádio para tentar penetrar num novo domínio artístico que se firmava. Conforme ressaltado, a característica que o perseguiu durante sua trajetória foi o intercâmbio constante de atividade artística ao deparar-se com dificuldades contingenciais no trabalho que estivesse exercendo. Se quando termina o programa “Histórias das Malocas” Adoniran investe na composição e consegue emplacar um grande sucesso, ao se deparar com o percalço da inconstância do êxito no domínio musical ele volta-se para uma nova estrutura ainda não muito explorada: a televisão. Por meio dos contatos estabelecidos desde sua época de “Histórias das Malocas” na Record termina por conseguir algumas pontas em novelas e programas humorísticos, com participações esporádicas e a provável volta à obscuridade.
Uma reportagem de 1971 retratava sua situação naquele período:
“Quando era famoso por seus sambas e pelas criações humorísticas no rádio, principalmente pela música Trem das Onze e pelo personagem Charutinho, que durante doze anos dominou o programa Histórias das Malocas, na Rádio Record, com público certo, Adoniran Barbosa nunca estava sozinho. Não faltavam amigos que quisessem um bate-papo, pagassem um aperitivo, pedissem que lhes contasse uma de suas histórias humanas e satíricas. Hoje, aos sessenta anos, ele pode ser encontrado todas as manhãs rondando as cercanias da rádio, na avenida Miruna, em São Paulo, depois de assinar o ponto.” “Ninguém fala comigo, nem um bom-dia ou boa-tarde. Quando muito um alô inexpressivo”, conta ele com olhos lacrimejantes. “Mas eu não guardo rancor de ninguém, pois sei que amanhã estarei por cima novamente. Eles vão respeitar-me e eu vou aceitar tudo tranqüilamente”. (O Globo, 13/11/1971)
Adoniran embriagava-se constantemente nesta derradeira volta à obscuridade. Nem rádio-ator, nem compositor; encontrava-se fora de cogitação em qualquer domínio artístico. O homem que tudo deu de si para a estrutura do divertimento desde os primórdios da implementação da indústria cultural de São Paulo não teria o contrapeso simbólico em uma altura já avançada da vida. A morte biológica se aproximaria junto à morte social, situação impensável para aquele Adoniran que do céu do reconhecimento alheio já havia passado para o inferno da obscuridade diversas vezes. A indiferença para com ele da instituição que o abrigava como empregado desde a década de 1950, a Rádio (agora Rede) Record, deixava-o completamente desolado, a ponto de rasgar parte do arquivo de antigos scripts mantidos em casa de papéis que havia desempenhado na rádio; enfim, de rasgar simbólica-materialmente a história de sua ligação com a instituição que dava sentido à sua vida, ou seja, de rasgar a sua própria história.
Desde sempre em sua vida profissional, Adoniran esteve entrelaçado com as instituições do entretenimento que se formavam, dependendo delas de todas as formas. O reconhecimento buscado por ele era o institucional, pois Adoniran não conhecera outra maneira de expressão artística popular a não ser aquela mediada principalmente pelas instituições recém-surgidas por volta da década de 1930: o rádio e o cinema. Se comparássemos suas produções com as realizadas pelos sambistas do Rio de Janeiro na mesma época em que se iniciou no rádio, ele emergiria como um interesseiro compositor de sucessos dirigidos ao público amplo ou ao comércio de discos. O sentido de sua obra, de suas tomadas de posição, de uma maneira mais ampla, estava contido no reconhecimento alheio, de um grande público, que seria mediada terminante e explicitamente pelos canais da denominada indústria cultural. Ao contrário dos produtores “puros” do Rio de Janeiro, Adoniran passa a maior parte de sua vida deslocado entre dois eixos impossíveis, entre duas posições em falso, adquirindo apenas no último instante de sua carreira uma legitimidade completa que lhe garantia o direito de existência no panteão maior dos artistas populares.
Nesse período de desânimo e conseqüente escassez de composições e sucessos - final da década de 1960 e início da de 1970 -, Adoniran pede explicitamente a amigos influentes nos meios midiáticos trabalhos que pudessem lhe render ganhos simbólicos e materiais. O veterano artista estrelaria assim um comercial para uma marca de cerveja em que profere um bordão inventado e adaptado por ele, que faria um tremendo sucesso no rádio e na televisão, o “nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar?”. A partir desse ponto, aproveitando-se dessa nova deixa, ele baseia uma canção no bordão do comercial. Este pequeno sucesso lhe encoraja a demandar novamente papéis em novelas - ainda que dissesse publicamente que era “convidado”, demonstrando nessa altura ter apreendido elementos de autopromoção mais sutis que os já citados no início de sua carreira. Descontente com o tratamento dispensado a ele na Rede Record, o agora oficialmente aposentado Adoniran (1973) se oferece como ator para as novelas da Rede Tupi, que se tornaria mais para frente Rede Globo. Após relativo sucesso na interpretação de um personagem em uma novela de 1973, espalharia aos quatro ventos sua intenção de fazer-se exclusivamente ator de telenovelas. Os acontecimentos do ano de 1973 marcaram, entretanto, a carreira do compositor de forma indelével. O plano de firmar-se definitivamente como ator naufragou, porém com uma grande compensação: inesperadamente passavam a ser realizadas, após seu sucesso na referida telenovela, diversas homenagens ao “artista completo” Adoniran Barbosa.
Pelão (1942-), figura já citada acima, era um ativista de muito fôlego no domínio da música popular. Boêmio, nacionalista, e declaradamente comunista, este ex-estudante paulista de agronomia desempenhou um papel de extrema relevância no “retorno” triunfal não só de Adoniran Barbosa, como de vários outros sambistas “esquecidos” naquele período no domínio musical. Produtor cultural de rádio, de casas noturnas, da rede de televisão Tupi na década de 1970 - local em que conheceu
Adoniran -, e posteriormente na Rede Globo de Televisão em São Paulo e no Rio, Pelão possuía bom trânsito também nos meios intelectuais de São Paulo. Freqüentador dos “morros” cariocas desde sua juventude, onde chegou a travar contato com os “ mestres” do gênero como Cartola, Nelson Cavaquinho, Xangô da Mangueira, entre outros, Pelão, por meio dos diversos contatos que possuía nos meios musicais de São Paulo e do Rio de Janeiro, organizava um série de espetáculos em São Paulo em 1973 que se chamava “Segunda o Samba é Lei” no teatro 13 de maio. Juntava os grandes nomes do samba tradicional do Rio aos que viriam a se tornar os baluartes de São Paulo, como Geraldo Filme. Em uma dessas apresentações, Pelão decidiu homenagear seu amigo Adoniran lotando o teatro de artistas/estrelas da telenovela de que ele participara e dos mais renomados sambistas cariocas, como Cartola. Pelão trouxe ainda do Rio nesta mesma noite o seu amigo Sérgio Cabral, que vinha desempenhando papel semelhante ao seu no Rio de Janeiro. Tendo em seu currículo a produção de espetáculos de Donga, Nelson Cavaquinho, Cartola, Carlos Cachaça etc., Pelão desenvolve a idéia de gravar LP’s desses já consagrados nomes, pois a maioria deles nunca tivera a oportunidade de realizar tal façanha nas décadas anteriores. É assim que, através de um amigo diretor de uma grande gravadora carioca, a Odeon, Pelão consegue registrar e lançar em 1973 o LP de Nelson Cavaquinho. Em 1974, depois de muita insistência, Pelão lança o primeiro LP de Adoniran Barbosa por esta mesma gravadora, mesmo ano em que consegue, junto à pequena gravadora Marcus Pereira, gravar o primeiro LP de Cartola. O artigo que alguns anos antes seria facilmente rechaçado pela maioria das gravadoras, qual seja, um LP de compositores de samba “tradicional” cantando suas próprias composições com suas já combalidas vozes sexagenárias e como acompanhamento contando com uma instrumentação simples de um conjunto regional, tornava-se algo agora cultuado por uma minoria de intelectuais e novos connaisseurs que já formavam uma seleta platéia no domínio da música popular. Pelão aproveitava assim com maestria sua posição privilegiada no meio artístico para “saldar” a dívida que a indústria possuía com estes senhores que passaram a maior parte da vida distantes do fulcro da reprodução econômica e simbólica das instituições culturais que muitos deles ajudaram a formar.
O grupo de críticos e jornalistas citados acima - quase todos ligados seja diretamente, seja apenas ideologicamente aos movimentos de esquerda de contestação ao regime militar - havia conquistado posição de destaque junto aos órgãos de imprensa em geral, criando condições propícias para que uma especialização nos assuntos “samba” e “choro” fosse criada naquele momento nos canais existentes para tal. José Ramos Tinhorão, Sérgio Cabral, Tárik de Souza, Maurício Kubrusly, Roberto Moura, entre outros, passavam a assinar colunas semanais nos mais destacados veículos de imprensa, assim como coleções de discos, prefácios de livros, contracapas de LP’s, livros dedicados aos gêneros musicais populares e biografias dos agentes deste campo. Eram responsáveis pela produção de diversos espetáculos dos gêneros “genuinamente” populares e nacionais, muitas vezes transmitidos pela televisão, local em que eles possuíam bom trânsito e influência. O que Adoniran não havia conseguido junto à crítica esparsa da música popular existente anteriormente ele conseguiu com o lançamento de seu primeiro LP.
É impossível afirmar que o impacto causado por este LP na crítica especializada deu-se por conta do canções inéditas que o compunham. Aliás, apenas uma dentre as doze canções escolhidas pelo produtor Pelão era recém-composta: a “Véspera de Natal”. Velhas conhecidas do público da era do rádio, como “Saudosa Maloca”, “Trem das Onze”, “Bom Dia Tristeza”, entre outras, recheavam o LP que contava com arranjos simples e o tempero da interpretação de um Adoniran que equilibrava certo tom melancólico em sua voz rouca sem no entanto abusar de vibratos ou de outros artifícios correntes entre os cantores de sua geração. Entretanto, não eram os elementos “internos” à estrutura musical do disco que chamariam a atenção dos críticos, como veremos a seguir. Estes começavam a enxergar Adoniran através de características distintas das definidoras do samba carioca, fornecendo uma autonomia relativa à sua arte, algo negado anteriormente pelos críticos cariocas - como o citado J. Oliveira - que analisavam suas obras através de conceitos presentes na estrutura da crítica do Rio e de seus gêneros musicais legitimados como “autenticamente cariocas”. Os críticos a partir de então passam a avalizar a forma narrativa contida na linguagem utilizada por Adoniran, distinguindo-a como elemento definidor desse “novo” (porém velho) samba que “surgia”.
O jornalista e escritor carioca Roberto Moura chamava a atenção no “Diário de Notícias” do Rio de
Janeiro de 01/09/1974, por exemplo, para as características presentes na linguagem encravada na recém inaugurada “tradição” paulista utilizada por Adoniran em suas canções e do significado maior atingido pelo conjunto da obra deste compositor na cultura e conjuntura nacionais. Equipara-o, de lambujem, não mais a personagens secundários do cenário artístico, mas a uma criação de um monstro consagrado do modernismo brasileiro e paulistano, Oswald de Andrade.
“Adoniran é um personagem de Oswald de Andrade. (...) Seus arquétipos, sua maneira de elaborar as frases, tudo em Adoniran remete diretamente para a linguagem mestiça dos imigrantes italianos, japoneses e portugueses (principalmente) e dos nativos que absorviam como podiam as novas formas de linguagem. Nesse sentido, Adoniran é um compositor essencialmente paulista – mesmo que isso contrarie alguns críticos que preferem a gratuidade de definições como “o mais carioca sambista de São Paulo”. Mentira: ele é o mais paulista de todos os sambistas.” (Roberto Moura Diário de Notícias”)
Outro jornalista e escritor carioca, Tárik de Souza, preferia filiar Adoniran ao underground universal, ao elemento artístico conhecido e cultivado por iniciados apenas, fora do grande circuito de produção da indústria cultural já armada:
“No Brasil, o underground sonoro nem sempre é o que assim parece. Muito menos suas figuras representativas – como Andy Warhol e Lou Reed nos Estados Unidos, David Bowie e o conjunto Pink Floyd na Inglaterra, que, depois de alguns anos de carreira, acumularam elogios e fortuna. Sem muito rigor, pode-se dizer que o prosaico João Rubinato (...) é um legítimo artista subterrâneo brasileiro. Em todo caso, seu primeiro LP individual, digno desse nome, somente foi lançado na semana passada, após quase cinqüenta anos de carreira, e ainda sob o impacto de um desgastante rodízio de rótulos: maldito, antiestético, genial”.
José Ramos Tinhorão, jornalista, crítico e historiador, também sublinhava em texto reproduzido no “Jornal do Brasil” de 01/08/1974 a “paulistanidade” desse compositor. Podemos vislumbrar o início de um processo que esta crítica ajudaria a impulsionar, o da legitimação de uma nova posição no campo do samba ou a possibilidade de existência de um samba “legítimo” em São Paulo.
“Artista de rádio e televisão, Adoniran Barbosa especializou-se, como compositor, num tipo de sambareportagem sobre a vida popular de São Paulo que só encontra paralelo no Rio de Janeiro, na obra dos letristas de sambas de breque (e, talvez nada por coincidência, Adoniran começou no rádio paulista como cantor de sambas de breque).
Talvez por esse excesso de regionalismo – as letras dos sambas de São Paulo são escritas num jargão
praticamente exclusivo de negros e mestiços paulistanos democraticamente identificados com descendentes de antigos imigrantes italianos – o grande compositor paulista não tenha conseguido atingir o justo reconhecimento nacional de seu trabalho. (...) Parece ter chegado a hora de sanar essa dívida com o grande compositor-repórter de São Paulo. (...) Para o grande público o LP de Adoniran Barbosa não será certamente tão digestivo quanto um confeito musical de duplas como Toquinho e Vinícius de Moraes ou Antonio Carlos e Jocafi, mas para quem sabe apreciar um bom prato regional, em termos de música popular, não há melhor oportunidade do que esta. Adoniran Barbosa é o que há de mais puro em sabor paulistano, em matéria de música popular: prove ouvindo sambas como “Abrigo de Vagabundos” e “Iracema”, você vai ver”. (José Ramos Tinhorão, “Jornal do Brasil” de 01/08/1974)
No lançamento deste seu primeiro LP, os censores militares criticaram e excluíram duas canções,
alegando a presença de elementos subversivos em uma e a má utilização do vernáculo em outra, chegando a recomendar que Adoniran seguisse os cursos do MOBRAL (Movimento Brasileiro pela Alfabetização) no período.
Letra de Tiro ao Álvaro vetada pela censura militar. |
“Adoniran Barbosa é um grande compositor e poeta popular, expressivo como poucos (...)
Já tenho lido que ele usa uma língua misturada de italiano e português. Não concordo. Da mistura, que é o sal de nossa terra, Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira, em que as melhores cadências do samba e da canção, alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se aliaram com naturalidade às deformações normais de português brasileiro, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nóis fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse país. Em São Paulo, hoje, o italiano está na filigrana. A fidelidade à música e à fala do povo permitiram a Adoniran exprimir a sua cidade de modo completo e perfeito.(...) A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasileiras em geral e paulistanas em particular.(...)
Lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado, com o encanto insinuante da sua antivoz rouca, o chapeuzinho da aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta dos outros tempos, ele é a voz da Cidade.(...) Talvez João Rubinato não exista, porque quem existe é o mágico Adoniran Barbosa, vindo dos corredores de café para inventar no plano da arte a permanência da sua cidade e depois fugir, com ela e conosco, para a terra da poesia, ao apito fantasmal do trenzinho perdido da Cantareira.” (Antonio Candido, contra capa do LP de 1974)
São Paulo, agrupava todos os elementos para a consagração final de Adoniran. Desde o início já saía com a chancela de Antonio Candido, o que inibiria a crítica especializada a desfechar uma mínima observação destoante da pura aclamação. Entrava assim Adoniran para o seleto rol dos sambistas imortais. Convidado de honra de diversos espetáculos como a “Noitada do Samba” do Teatro Opinião, templo do samba tradicional no Rio de Janeiro, apresentou-se ladeado por personagens como Nelson Cavaquinho, a emergente Dona Ivone Lara, Cartola, entre outros. O público universitário que cultuava naquela figuração a “verdadeira” cultura popular nacional nesse período de diversos “inimigos” internos e externos, como a ditadura militar, a “alienação” internacionalista cultural etc, passava a também enxergar no sambista Adoniran a personificação de seus ideais estético-musicais.
Ainda em 1975, o antigo humorista ganhava o prêmio de Professor Emérito do Instituto Musical de São Paulo, dentro do novo (e derradeiro) período que se iniciava em sua vida, o do recebimento de reconhecimento incondicional.
Adoniran não abandonaria ainda as telenovelas; atuaria porém em um nível distinto do anterior. Uma novela que o artista estrelava em 1976 possuía uma canção de fundo de sua autoria. Em 1975, uma turnê de espetáculos pelo Brasil foi produzida por Pelão, a quem Adoniran creditaria todos os méritos por sua (re)aparição gloriosa no domínio do samba. Outros consagrados do samba carioca, como o também ator, cantor e compositor Mário Lago, o elegeriam ainda como um “perfeito repórter popular” neste mesmo ano.
Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa, Matilde e Carlinhos Vergueiro. |
avolumavam-se no final da vida de Adoniran. Apresentava-se ainda ao lado de consagrados de diversos
domínios da música popular, como Elis Regina, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Mestre Marçal etc, era tema de enredos em escolas de samba paulistas, estava presente em todos os eventos marcantes, como espetáculos de aniversário da sua cidade, enfim, era coroado e constantemente reconhecido como um dos grandes nomes da música popular brasileira. Em 1980, o “patriarca do samba paulista” receberia uma das últimas homenagens em vida, no seu septuagésimo aniversário, com um grande espetáculo no Bixiga. Aliás, a quantidade de espetáculos e gravações com que de repente Adoniran se viu envolvido forçou-o a racionalizar a carreira que até então desenvolvera de modo artesanal. O incumbido dessa empreitada organizacional foi o compositor, cantor e empresário Eduardo Gudin, na época dono de uma agência de promoções artísticas e gravações de LP’s independentes. Esta reorganização, contudo, não duraria muito.
Em 1982 chegaria ao fim a trajetória do artista “universal” de São Paulo. Aos 72 anos de idade o mais que condecorado em vida Adoniran Barbosa transformava-se agora em estátua no Bixiga, nome de rua no mesmo bairro, nome do sambódromo paulistano e de tantos outros monumentos e praças espalhados pelo Brasil. Talvez o único artista popular de São Paulo a receber tais homenagens póstumas. São Paulo também passaria a ter seu próprio “mistério do samba” após Adoniran.
Considerações finais
Adoniran Barbosa é, sem dúvida, um compositor e cantor que tem um longo aprendizado, num arco que vai do marmiteiro às frustrações causadas pela rejeição de seu talento. Procura de várias maneiras fazer seu sonho acontecer. Tenta, antes do advento do rádio, o palco, mas é sempre rejeitado. Sem padrinhos e sem instrução adequada, o ingresso nos teatros como ator lhe é para sempre abortado. O samba, no início da carreira, tem para ele caráter acidental. Escolado pela vida, sabia que o estrelato e o bom sucesso econômico só seriam alcançados na veiculação de seu nome na caixa de ressonância popular que era o rádio.
Adoniran percebeu as possibilidades que se abrem a seu talento. Quer ser ator, popularizar seu nome e ganhar algum dinheiro, mas a rejeição anterior o leva a outros caminhos. Sua inclinação natural no mundo da música é a composição mas, nesse momento, o compositor é um mero instrumento de trabalho para os cantores, que compram a parceria e, com ela, fazem nome e dinheiro. Daí sua escolha recair não sobre a composição, mas sobre a interpretação.
Busca conquistar seu espaço como cantor – tem boa voz, poderia tentar os diversos programas de calouro. A vida profissional de Adoniran Barbosa se desenvolve a partir das interpretações de outros compositores.
Adoniran, em foto de 1980, com seu figurino típico: chapéu e gravata-borboleta (Foto: Pedro Martinelli |
Todavia, a escolha de Adoniran é outra, seu mergulho também outro. Aproveitando-se da linguagem popular paulistana – de resto do próprio país – as músicas dele são o retrato exato desta linguagem e, como a linguagem determina o próprio discurso, os tipos humanos que surgem deste discurso representam um dos painéis mais importantes da cidadania brasileira. Os despejados das favelas, os engraxates, a mulher submissa que se revolta e abandona a casa, o homem solitário, social e existencialmente solitário, estão intactos nas criações de Adoniran, no humor com que descreve as cenas do cotidiano. A tragédia da exclusão social dos sambistas se revela como a tragicômica cena de um país que subtrai de seus cidadãos a dignidade.
Arguto observador das atividades humanas, sabe também que o público não se contenta apenas com o drama das pessoas desvalidas e solitárias; é necessário que se dê a este público uma dose de humor, mesmo que amargo. Compõe para esse público um dos seus sambas mais notáveis, um dos primeiros em que trabalhou a nova estética do samba. Programa "Por toda minha vida", Rede Globo.
Por fim termino com a frase de André Spera, na matéria sobre o centenário de Adoniran na Veja São Paulo, "Grandes artistas, seja na música, no cinema, artes plásticas, etc, têm algo que toda a técnica do mundo jamais vai suprir. Eles refletem o mundo de seu tempo. Não em grandes letras homéricas, não em sagas monstruosas ou em telas de cinco por dez metros. São suas pequenas jóias, espalhadas em trechos simples que refletem aquela migalha de pensamento genial."
Músicas
1974 - Lado 1
Abrigo De Vagabundos – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:48)
Bom Dia Tristeza – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Vinicius de Moraes) (3:04)
As Mariposas – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:01)
Saudosa Maloca – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:29)
Iracema – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:58)
Já Fui Uma Brasa – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Marcus César) (2:41)
1974 - Lado 2
Trem Das Onze – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (3:13)
Prova De Carinho – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Hervé Cordovil) (2:08)
Acende O Candieiro – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:23)
Apaga O Fogo Mané – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:39)
Véspera De Natal – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:54)
Deus Te Abençoe – Adoniran Barbosa – (Peteleco) (2:54)
1975 - Lado 1
No Morro Da Casa Verde – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:24)
Vide Verso Meu Endereço – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (3:32)
Tocar Na Banda – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:00)
Malvina – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:10)
Não Quero Entrar – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:36)
Samba Italiano – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:02)
1975 - Lado 2
Triste Margarida (Samba Do Metrô) – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa) (2:33)
Mulher, Patrão E Cachaça – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo Moles) (2:52)
Pafunça – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo Moles) (2:17)
Samba Do Arnesto – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Alocin) (2:31)
Conselho De Mulher – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa, João Belarmino Dos Santos & Oswaldo Moles) (2:28)
Joga a Chave – Adoniran Barbosa – (Adoniran Barbosa & Oswaldo França) (2:18)
Fotos dos vinis
Fotos: Diego Kloss |
Fabulosa e Perfeita postagem....parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado Indalécio...
ExcluirAbraço
Grato pelas informações.Muito completo.
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